terça-feira, 11 de novembro de 2008

Insignare et Educatione

É incrível que nos dias de hoje precisa-se ser desigual, para que sejamos iguais em sociedade.
Um grande exemplo deste fato está nas entrelinhas por onde permeiam as intenções de “cotas” em Universidades Públicas e na forma em que os governantes tentam compensar o longo e ainda contínuo processo de exclusão no qual foi fundamentada a sociedade brasileira a tudo isso se soma uma clara postura educacional falha e desacreditada por muitos envolvidos nesse processo. (...)

É bom saber...
A Educação evolui de acordo com cada povo e cultura, a exemplo do que ocorreu com os Hebreus e os Gregos. Estes últimos tornaram possível o conhecimento da técnica maiêutica de Sócrates em sua prática do autoconhecimento. Nesse contexto, pode-se citar a importância de Heródoto, intitulado “Pai da História”, que se propôs a relatar os fatos da história de forma objetiva. Mais tarde, na Idade Média, o ensino tem como força motriz a religião, pois a instituição Igreja assume o papel de educadora e repassadora de regras, com influência de Santo Agostinho e depois Santo Tomás de Aquino, sendo a Escolástica[1] o princípio educacional vigente nos séculos XII e XIII. Quanto a esse período, cabe uma melhor e mais longa análise, pois a educação na Idade Média apresenta duas características distintas: o trivium e o quadrivium.
A Educação na Idade Média tem como marco principal o “concilio de Latrão”, estabelecido em 1179. A partir dele, toda Igreja possui uma Escola e não por acaso também um cemitério próximo. Logo, cabia à Igreja, nos idos dos séculos XII, XIII e, por seguinte, cumprir o papel quase que absoluto de educadora e confortadora espiritual. Entretanto, como Educadores é importante ressaltar que, apesar da visão distorcida sobre o período medieval transmitida pelos renascentistas, havia, na Idade Média, um complexo sistema de ensino que, em diversas situações, dispensava o uso propriamente dito da escrita, fundamentando-se principalmente na oratória e nos acalorados discursos entre estudantes e mestres. Conforme Régine Pernoud (2008)[2]:

Estudantes e professores são habituados a grandes viagens: a cavalo e mesmo a pé, percorrem léguas e léguas, dormindo em granjas ou em hospedarias. Com os peregrinos e os comerciantes, são os que mais contribuem para a extraordinária animação que reina nas estradas da idade Média (...). O mundo letrado era então um mundo itinerante. Era a tal ponto que, para alguns, o movimento passa a ser uma necessidade, uma mania (...).
Entretanto, os estudantes daquele período não diferenciavam muito dos atuais, pois anulando as exceções, nesse caso os “cleri vagi” ou comumente chamados de goliardos, a maior parte deles preocupava-se com o aprendizado e se fixava em centros urbanos onde havia Universidades. O curioso, nesse período, é que tanto ricos quanto pobres estudavam no mesmo local sem que houvesse diferenciação no tratamento, fato revelado através do histórico de alguns grandes nomes do período medieval[3].

Os filhos de qualquer pequeno vassalo são educados na sede senhorial com os filhos do suserano; os dos ricos burgueses passam pelo mesmo aprendizado que os do último artesão, se pretendem assumir um dia a loja paterna. É por isso, sem dúvida, que se multiplicam os exemplos de grandes personagens saídos das famílias humildes: Super, que governou a França durante a cruzada de Luiz VII, é filho de servo; Maurice de Sully, bispo de Paris que fez construir Notre-Dame, era nascido de um mendigo; São Pedro de Damião, em sua infância, cuidava de porcos, e uma das mais brilhantes luzes da ciência medieval, Gerbert d’Aurillac, também era pastor; o Papa Urbano VI era filho de um pequeno sapateiro de Troyes, e Gregório VII, o grande Papa da Idade Média, filho de um pastor de cabras.

(...) Logo, o que nos chama a atenção é saber que, mesmo em períodos mais longínquos e distintos da formação educacional da sociedade ocidental o conceito de desigualdade, na educação, nunca foi tão desigual e oportunista como nos tempos atuais. Como Educador sugiro que venhamos repensar o modo de ensinar e transmitir o conhecimento penso que apesar de todas as dificuldades que venhamos ter em um ensino público em detrimento do ensino privado somente o “profissionalismo” e a “dedicação” que é nata do latim naturale do educador, fará com que o processo de ensino-aprendizagem seja puro e menos dependente de princípios politiqueiros que venham contribuir para uma péssima formação humanística corrente em muitas instituições de ensino.
Alex-Sandro P. Cardoso, é Historiador, Especialista em Gestão, Mestre em Educação e Autor de Livro e Artigos.

[1] Escolástica: A filosofia ensinada nas escolas e nos locais de instrução teológica da Igreja durante o período medieval. Aproximadamente do século XI ao XVI, a escolástica foi a perspectiva filosófica dominante na Europa. Combinava doutrina religiosa, o estudo dos Padres da Igreja e uma investigação filosófica e lógica baseada sobre tudo em Aristóteles (...) Platão, Tomás de Aquino e outros (...).
[2] PERNOUD. Régine. A educação medieval. Disponível em: <>. Acesso em: 01/05/2008
[3] A educação medieval. Disponível em: . Acesso em: 01/05/2008.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

ETNOCÍDIO

Todos possuem alma?

(...) Para os conquistadores europeus, os índios não eram verdadeiramente humanos, pois não conheciam a fé cristã. Não sendo cristãos, eram inferiores. Nenhum conquistado acreditava que cometia pecado ao escravizar ou matar gente como aquela. Foi preciso que um papa escrevesse um documento, proibindo a matança e a escravização. Veja um trecho da “Bula Veritas Ipsa”, escrita pelo papa Paulo III, em 1537:
...Nós que, ainda indignos representando Deus na terra... e procuramos achar suas ovelhas que andam perdidas fora de seu rebanho, para trazê-las a Ele, conhecendo que aqueles índios, como verdadeiros homens, não somente são capazes da fé em Cristo, mas que correm atrás dela (a fé) com grandíssima prontidão... determinamos e declaramos que os ditos índios e todas as mais gentes que daqui em diante os cristãos entrarem em contato, ainda que estejam fora da fé de cristo não deverão perder sua liberdade, seus bens e nem deverão ser reduzidos à servidão, declarando que os ditos índios e as demais gentes deverão ser atraídos e convidados á dita fé de Cristo com a pregação da palavra divina e com o exemplo de boa vida”(...).
(Texto adaptado. Bula Veritas Ipsa, in Francisco A. Varnhagem. História Geral do Brasil. 4ª Ed. São Paulo, ed. Melhoramentos, 1948. Tomo I, p. 64).


O Cruel depoimento de um Matador de Índios

(...) Com frieza singular, o bugreiro Ireno Pinheiro deu, em 1972, um relato de como se matava indígenas em SC:
“O assalto se dava ao amanhecer. Primeiro, disparavam-se uns tiros. Depois, passava-se o resto no fio do facão. O corpo é que nem bananeira, corta macio. Cortavam-se as orelhas. Cada par tinha preço. Às vezes, para mostrar, a gente trazia algumas mulheres e crianças. Tinha que matar todos. Se não, algum sobrevivente fazia vingança. Quando foram acabando, deixou de pagar a gente.
A tropa já tinha como manter as despesas. As companhias de colonização e os colonos pagavam menos. As tropas foram terminando. Ficaram só uns poucos homens, que iam em dois ou três pro mato, caçando e matando esses índios extraviados. Getúlio Vargas já era Governo, quando eu fiz uma batida. Usei Winchester. Os índios tavam acampados num grotão. Gastei 24 tiros. Meu companheiro, não sei. Eu atirava bem”(...). (Depoimento dado em 1972 ao antropólogo Sílvio Coelho dos Santos, pelo bugreiro Ireneu Pinheiro).
(Santos, Sílvio Coelho dos – Os Índios Xokleng – Memória Visual, Editora da UFSC e UNIVALI, Florianópolis, 1997).

Os textos acima estão contidos na obra A Formação Histórico-Geográfica de Santa Catarina de autoria de Alex-Sandro Pinheiro Cardoso e Vlamir Severo Schulz e buscam relatar através de arquivos documentais a triste história de nossos ilustres moradores desta terra, os índios, que em um passado não muito distante eram apenas silvícolas autóctones livres de corpo e espírito que tiveram sua liberdade ceifada pela dita idéia de civilização.

CARDOSO, Alex-Sandro P. SCHULZ, Vlamir S. A Formação Histórico-Geográfica de Santa Catarina. Ed. Copyart. Tubarão, 2003.