terça-feira, 18 de agosto de 2009

AÇÃO POLÍTICA NA ESCOLA: Notas etnográficas sobre os sentidos da participação discente

Por Rodrigo Manoel Dias da Silva
Resumo: A análise dos modos de participação política dos estudantes no âmbito da escola pública, sob um olhar sociológico, é o interesse central deste artigo. Ao partir de um relato de investigação em andamento no campo das Ciências Sociais, o autor recolhe algumas cenas etnográficas e, analisando-as pela perspectiva da Sociologia da Experiência, identifica algumas práticas de participação em suas continuidades e descontinuidades. Repara, como conclusão parcial, em uma recorrência de participação enquanto dinâmica social, que se elabora nas interfaces entre a experiência social do ator e a institucionalidade das ações participativas.
Palavras-chave: ação política – participação – experiência social – escola pública
Abstract: The analysis of the modes of political participation of students within the public school, under a sociological look, is the core interest of this article. In a report from the research in progress in the field of Social Sciences, the author collects some scenes ethnographic, and analyzing them by the prospect of Sociology of Experience, identifies some practices to participate in its continuities and discontinuities. See, as partial completion in a recurrence of participation as social dynamics, which produces the interfaces between the social experience of the actor and institutionality of participatory activities.
Key words: political action - participation - social experience - public school
A idéia do sujeito não cresce em estufas muito bem protegidas. É planta selvagem! (TOURAINE, 1999, p.75)
A recente produção acadêmica no campo da Sociologia da Educação referente aos mecanismos de participação escolar e aos modos de gestão da escola pública tem priorizado abordagens centradas na macro-política da educação, tematizando a eleição de diretores (DOURADO, 2001), a administração escolar e a qualidade do ensino (PARO, 2001), a legalidade da gestão democrática dos sistemas (CURY, 2005), a reforma política do papel estatal como gestor em tempos neoliberais (SHIROMA, et al., 2004) ou mesmo, dentre outros, os valores permanentes nas instituições democráticas de ensino (HÖFFE, 2004). Estas elaborações constituíram-se como centrais para o entendimento sociológico das interfaces entre educação e política (pública), postulando um modelo top-down de análise. Desde um outro registro, penso que seja necessário empreender olhares que complementem o modelo acima, ou seja, dirigindo lentes investigativas para além daquelas proposições centradas em decisores de políticas sociais, tecendo perspectivas sob um modelo bottom-up (SOUZA, 2003).
A importância destes modelos de análise cresceu a partir dos anos de 1980, atenuada pelos estudos de Michael Lipsky, os quais, segundo Celina Souza (2003, p.17), deveriam orientar-se por três premissas, quais sejam: (a) análise da política pública a partir da ação dos implementadores destas iniciativas, (b) análises concentradas na natureza dos problemas que a política visa resolver e (c) a descrição e a análise das redes de implementação. O modelo bottom-up de análise estabelece por objetivo realizar reflexões no espaço das mediações entre a política pública (educacional, inclusive), seus atores nas esferas de decisão e dos atores nas esferas cotidianas de interação e implementação destes fazeres. Esta ênfase metodológica incorpora a complexidade dos processos políticos e permite conhecer “quién mueve los hilos de las políticas sociales” (PASTORINI, 2000), sendo, pois, um campo fecundo para investigações sociológicas sobre as políticas sociais, em geral, e as políticas educacionais, em particular. Neste sentido, o presente artigo constitui-se em um relato dos resultados de uma pesquisa em andamento no campo das Ciências Sociais. Em tal investigação que venho realizando proponho-me, pois, a entender as mudanças ocorridas, teoricamente, nos processos de ação que configuram a escola na contemporaneidade (TOURAINE, 2006), situando-a entre, por um lado, a constatação da perda do potencial explicativo das perspectivas funcionalintegradoras do ensino-aprendizagem (DUBET, 1994) e, por outro, a afirmação do campo das interações sociais no qual as experiências configuram outros entendimentos das relações sociais. Ou seja, empiricamente, investigo as lógicas que fundamentam a ação política dos/das estudantes nos canais de participação instituídos na escola pública estadual: líderes de turma, grêmios estudantis e conselhos escolares, analisando-as pelo viés das interações entre os/as participantes.
Ao questionar se os canais funcionais de definição da participação na escola se romperam e os modos como atuam estas relações de poder (controles, hierarquias, aparentes ou difusos na participação) na cultura da escola, problematizo o alcance e a efetividade destes processos decisórios manifestos em canais de participação no âmbito da escola. Assim sendo, opto por não estabelecer categorias a priori da prática social, mas evidenciar a construção destas relações na ação destes atores sociais; mais especificamente, assumo certa influência simmeliana2, a qual me faz compreender que as sociabilidades instituem-se e conformam-se nas interações sociais e não, ao contrário de outras perspectivas, que tentam identificar as influências da instituição sobre o ator, como se o mesmo fosse passivo aos condicionantes.Ao pensar, desde Simmel, entendo que as relações sociais são intencionais, pois
[...] todas as formas de interação ou de sociação entre os homens – o desejo de sobrepujar, de trocar, a formação de partidos, o desejo de arrancar alguma coisa do outro, os azares de encontros e separações acidentais, a mutação entre inimizade e cooperação, o domínio por meio de artifícios e a revanche – na seriedade do real, tudo isso está imbuído de conteúdos intencionais (SIMMEL, 1983, p.174).
Com isto, interpreto a necessidade de abordar o tema da participação discente sob um prisma que privilegia as iniciativas dos próprios atores sociais, baseado nas intenções, nas lógicas e nos interesses que mobilizam os sujeitos a participar nos canais de participação, ocasionando em leituras da participação centrada na experiência social dos estudantes (DUBET, 1994), de tal sorte que se vêem restrições aos usos universais das categorias autonomia, democracia ou participação – o que me parece comum em um específico grupo de pesquisas substancialmente fundamentados nas heranças iluministas, como, por exemplo, os estudos de Höffe (2004) ou Afonso (2003). Isto não representa uma negação ou subtração valorativa destes princípios, mas o reconhecimento localizado de seus sentidos e de suas ações.
Do ponto de vista empírico, realizo um estudo etnográfico em duas escolas públicas de ensino fundamental no Estado do Rio Grande do Sul, em municípios distintos, onde operam por um caráter democrático o conselho escolar, o grêmio estudantil e os líderes de turma a fim de realizar uma análise situacional (VAN VELSEN, 1987) destas instituições de ensino. A análise situacional tem me permitido apresentar e lidar com informações etnográficas, assim como me auxilia a perceber e analisar as opiniões e as interpretações dos atores sociais nas situações que vivenciam cotidianamente, porque se admito os tensionamentos que vigoram na ação política na escola, reconheço que o olhar deve voltar-se a estes sujeitos. Dizendo de outra maneira,
Para comprender lo que fabrica la escuela, no basta estudiar los programas, los roles y los métodos de trabajo, es necesario también captar la manera con que los alumnos construyen su experiencia, “fabrican” relaciones, estrategias, significaciones através de las cuales se constituyen en ellos mismos. Hay que ponerse en el punto de vista de las funciones de sistema. La experiencia social no es objeto positivo que se observa y mide fuera como una práctica, como un sistema de actitudes y de opiniones, porque es un trabajo del actor que define unasituación, elabora jerarquías de sección, construye imágenes de sí mismo (DUBET; MARTUCCELLI, 1996, p. 15).
É bem verdade que observar o espaço em que atuo profissionalmente, apesar de observar outras escolas em outros municípios que não aquela em que trabalho, constitui-se um desafio como pesquisador, pois, assim como observava Gilberto Velho (1978), observar o familiar e produzir estranhamentos neste campo simbólico, nem sempre conduz a conhecê-lo. Então, após relatar parcialmente a
investigação que realizo, irei expor umas tantas movimentações analíticas em torno de alguns indicadores que o trabalho de campo e a revisão de literatura têm me mostrado.
Para este artigo, apresento uma análise de duas situações anotadas da investida etnográfica na escola pública que potencializa entendimentos provisórios sobre a ação política naqueles territórios, não se tratando, portanto, de todos os dados, mas a sinalização de aspectos mais acentuados neste momento sendo que, posteriormente, os mesmos podem ser contestados ou até negados. Neste sentido, organizo o presente artigo em três seções. Na primeira, apresento uma sucinta localização da escola em um contexto cultural de permanentes mudanças na sociedade e no sujeito baseado, sobretudo, nos atuais diagnósticos sociológicos produzidos por Alain Touraine. Na segunda seção, exporei, neste contexto de mudanças socioculturais, as contribuições de François Dubet para entender a participação discente desde uma Sociologia da Experiência. Por fim, na terceira parte, apresentarei duas cenas etnográficas desencadeadoras de reflexões e análises parciais sobre a ação política na escola, as quais enunciam minha principal preocupação neste texto.
1. A escola, o ator social e as mudanças culturais
Do ponto de vista investigativo, alguns pesquisadores há tempos já chamavam atenção à escola e a sua gestão em uma necessária complementaridade para a interpretação das políticas educacionais, sobretudo reconhecendo que a escola é um espaço constituído por grupos em permanentes mutações e conflitos por status e legitimidade (CÂNDIDO, 1971), que a autonomia da escola exige a autonomia dos seus agentes (PAZETO; WITTMANN, 2001) ou que a sala de aula não é só lugar do conteúdo, é também locus de disputa pelo saber, de construção das subjetividades e lugar de educação política (BASTOS, 2002). Apesar de importantes estudos concluídos ou em andamento na Sociologia da Educação, a escola (e suas políticas) continua sendo uma questão mal resolvida tanto em sua dimensão de estudo acadêmico, quanto no campo de sua efetividade política e pedagógica. Considerando as especificidades da escola enquanto instituição, aponto a seguir alguns elementos que atualizam o estatuto da escola nestes períodos de mudança sociocultural e subjetiva.
É necessário, inicialmente, admitir que a escola seja uma instituição produto-produtora de uma outra época histórica, nascendo associada a outras circunstâncias sociais, políticas e culturais plenamente identificadas com a Modernidade. Assim sendo, plenamente identificada com os princípios da razão, do progresso e da emancipação, erigindo-se como instância reguladora e socializadora de seus sujeitos em uma ordem social linear e homogeneizadora. O estatuto de valores iluministas postulou chaves de análise para princípios ainda vigentes, para a sociedade e para a escola, como cidadania, democracia, igualdade e participação, sobretudo tendo o Estado Nacional como instância reguladora. Tal perspectiva traz para a discussão, segundo Touraine (1999, p.321), os três atos civilizatórios fundamentais: o controle das paixões pela razão individual, o monopólio da violência legítima exercido pelo Estado e o domínio da natureza pelo conhecimento científico.
Ao enunciar anteriormente o problema investigativo que origina este artigo, anuncio como uma primeira constatação a perda do potencial explicativo dos canais funcionais de integração e socialização dos atores sociais. Significa acrescentar que a Sociologia Clássica, em Durkheim, sobretudo, compreendia o ator como um sujeito a ser socializado plenamente para que fosse reconhecido como um ser social capaz de desempenhar seus papéis, entretanto, contemporaneamente tem-se colocado sob suspeita tais proposições. Alguns elementos desestabilizadores das teses modernas da escolarização como integração do sujeito, foram elaboradas por perspectivas que recuperaram a vertente do interacionismo simbólico. Frente a esta movimentação teórica, poderia referir-me à possibilidade de um ator social atuante e construtor de si mesmo nos campos da cultura, entendida aqui como as experiências sociais do sujeito em seus encontros com outros atores (DUBET, 1994). Alain Touraine é quem, pela minha leitura, consegue diagnosticar importantes nuances destas mutações contemporâneas.
O ator social em Alain Touraine (1999) é um indivíduo que não se realiza individualmente, mas nas relações que se desenvolvem com outros indivíduos, é aquele que expressa vontade de agir e ser reconhecido como sujeito, constituindo-se no envolvimento em processos sociais. Tal existência é situada em uma rede de conflitualidades que medeia a relação deste indivíduo com os outros e consigo mesmo, rompendo com alguns princípios racionalistas e inserindo-o na esfera cultural:
O sujeito não é simplesmente uma forma de razão. Ele só existe mobilizando o cálculo e a técnica, mas da mesma forma que a memória e a solidariedade e, sobretudo, batalhando, indignando-se, esperando, inscrevendo a sua liberdade
pessoal em combates sociais e libertações culturais. O sujeito, mais ainda que razão, é liberdade, libertação e negação. (Touraine, 1999, p. 75)
As condições de fragilidade do edifício moderno que puderam abrir brechas a um sujeito que escapou dos limites circunscritos poderia ser nomeado como “destruição da sociedade” ou “fim do social” (TOURAINE, 2006), isto é, faz-se oportuno perceber a perda do potencial explicativo de alguns relatos oriundos do período moderno clássico. É possível vislumbrar o não-cumprimento das promessas de progresso e emancipação feitos pela sociedade de produção e reivindicados nas lutas sociais, tanto no contexto europeu quanto no brasileiro. Nesta linha de reflexão, é necessário perceber o declínio de pensamentos ligados a uma defesa universal da sociedade ou da escola, aqueles capazes de elaborar e impor normas, valores e formas de autoridade definidoras de estatutos fixos e de funções sobrepostas na relação ator – sistema (TOURAINE, 2006, p.91).
Esta decomposição das instituições sociais modernas fez triunfar o indivíduo3, dessocializado, porém capaz de combater a ordem social dominante. Um ator social constituído por conflitos pessoais, étnicos, geracionais, de gênero, os quais, por imagens distintas, ilustram lutas cotidianas e culturais pontuadas por relações de poder. De tal maneira:
O sujeito se forma na vontade de escapar às forças, às regras, aos poderes que nos impedem de sermos nós mesmos, que procuram reduzir-nos ao estado de componente de seu sistema e de seu controle sobre a atividade, as intenções e as
interações de todos. Estas lutas contra o que nos rouba o sentido de nossa existência são sempre lutas desiguais contra um poder, contra uma ordem. Não há sujeito senão rebelde, dividido entre a raiva e a esperança. (Touraine, 2006, p.119)
A referida modificação no entendimento de sujeito é sinalizada pelo enfraquecimento dos estatutos transmitidos, das pertenças familiares, escolares, sociais ou nacionais e, paulatinamente, pela substituição daquelas explicações exógenas às condutas dos atores sociais, por outras muito próximas das relações destes atores consigo mesmos, indicando a transição de um ator social a um ator cultural. Para apresentar algo mais concreto, do ponto de vista da sociologia da escola, em um contexto francês, mas possivelmente transposto parcialmente ao nosso contexto, durante muito tempo entendeu-se a escola como reprodutora das desigualdades sociais ou foi entendida apenas como elemento transmissor de valores de uma sociedade integradora. Porém, pelo menos desde François Dubet, reconhece-se a distinção dos processos escolares em relação aos sociais (DUBET, 2003a). Pois, neste campo elocutivo, é possível reparar que
[...] os resultados escolares ainda dependem mais da natureza das comunicações entre professores e alunos na escola, o que remete diretamente ao ponto de vista dos atores e de suas interações (TOURAINE, 2006, p. 106).
Desta maneira, posso apontar ao dimensionamento da multiplicidade dos campos de relação entre os sujeitos, pois as capacidades de ação dos atores ao construírem a historicidade de suas experiências - entremeada por sensações, sentimentos, vivências, medos, amores – admitem que as relações sociais são relevantes na produção das subjetividades. Há um esforço comum para constituírem-se sujeitos. Tal abertura às relações sociais representou para François Dubet a denúncia de que processos de desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais estariam subjacentes às interações escolares, pois sempre houve um desencontro entre a igualdade de todos na escola e a desigualdade (tipicamente capitalista) nos méritos dos estudantes. O que revela, a princípio, uma dupla evidência: que muitos processos de emancipação / participação se fazem “sob tutela” (DUBET, 2003a, p. 40) e que estas desigualdades provocam reações: consciência infeliz, desprezo, retraimento ou violência. No tópico seguinte, exploro a Sociologia da Experiência de François Dubet como uma composição, um tanto arbitrária, do “campo de possibilidades” (VELHO, 1994) do ator social nestes tempos em que a escola, a sociedade e o próprio ator social ressignificam-se nas mudanças culturais contemporâneas.
2. A contribuição da Sociologia da Experiência
Se, de acordo com a seção anterior, está em movimento uma perda do sistema de referências proporcionadas pela sociedade industrial e de constituição de um sujeito auto-referencial, estas trocas, neste sentido, representam um declínio de uma idéia de sociedade ou mesmo da morte do social (DUBET; MARTUCELLI, 1996). Segundo esta inferência, as instituições estão perdendo em si mesmas a capacidade de definir subjetividades e, no mesmo movimento, estamos assistindo à derrocada de uma sociedade que integrava mediante um processo de supersocialização dos agentes através de várias agências de socialização, dentre estas a família, a escola ou a igreja, em detrimento da efetiva sociedade de indivíduos “subsocializados e anômicos” que dali se originava (TIRAMONTI, 2005). Neste sentido, o indivíduo não está inteiramente socializado, não porque lhe preexistam elementos natos ou irredutíveis, sua ação não se vincula a um programa único, mas porque existe algo de inconcluso e opaco na experiência social do indivíduo. Pois:
Não existe uma socialização total, mas se processa uma espécie de separação entre a subjetividade do indivíduo e a objetividade de seu papel. E essa socialização não é total, não porque o indivíduo escape do social, mas porque sua
experiência se inscreve em registros múltiplos não congruentes (SETTON, 2005, p. 343).
A citação acima traz à reflexão a noção de experiência social elaborada pelo sociólogo francês François Dubet, tal conceito advém, por um lado, do reconhecimento do contexto de mudanças socioculturais nesta sociedade pósindustrial européia e, por outro, da rica experiência empírica e teórica do autor, pois o mesmo chega a afirmar que o conceito de “experiência” se impôs naturalmente.
Mas, o que se pode entender por experiência social? É uma noção que designa as
condutas individuais e coletivas dominadas pela heterogeneidade dos seus princípios constitutivos e pela atividade dos indivíduos que devem construir o sentido das suas práticas no bojo desta heterogeneidade (DUBET, 1994). Desta maneira, a experiência social apresenta três características importantes para seu uso e entendimento:
a) Heterogeneidade dos princípios culturais e sociais que organizam as condutas;
b) Relativa distância subjetiva que os indivíduos mantém do sistema;
c) A construção da experiência coletiva substitui a noção de alienação no centro da análise sociológica.
Frente a estas três premissas, identifico que a participação discente no campo de minha investigação estaria bastante vinculada a estas características, isto é, implicaria pensar a categoria participação sob uma miríade de perspectivas de conduta e ação (que François Dubet chama de “registros”), produzindo, com efeito, um distanciamento entre o ator e o sistema de modo que a própria experiência social seria o centro da análise sociológica. E, desta maneira, uma superação de análises pautadas na alienação ou na subordinação dos atores participantes, pois, não significa ignorar estes condicionantes, mas percebê-los em efeitos distintos na prática experienciada de cada ator.
Por esta perspectiva, os modos de participação seriam as inscrições do ator em um determinado registro, dos múltiplos presentes neste campo, que permitem que o mesmo elabore em sua experiência social a autonomia que lhe constitua como indivíduo ou, mesmo, que lhe evidencie/permita uma inscrição pessoal nas esferas de participação instituídas na escola a qual pertence. Portanto, se a experiência inscreve o ator social em registros múltiplos e não-congruentes, remete à construção da autonomia destes indivíduos também na escola. Assim sendo, ao analisar a participação estudantil por este prisma, sobretudo quando os atores admitem o papel que exercem, implica reconhecer que esta mesma participação evoca experiências de exclusão escolar (DUBET, 2003a). Tal relação torna-se possível ao observar-se que a experiência subjetiva da exclusão escolar situa-se na incompatibilidade entre as duas grandes narrativas que atravessam os discursos modernos de escolarização, quais sejam: a afirmação da igualdade dos indivíduos e a meritocracia presente na mensuração da desigualdade de seus desempenhos. O próprio autor enfatiza que:
A heterogeneidade dos registros da ação determina a natureza de um jogo das desigualdades sem fixá-lo totalmente, e os atores são também obrigados a construir uma parte de sua igualdade, ou daquilo que eles consideram como tal, através da defesa de sua face, de sua dignidade e de sua honra (DUBET, 2003b, p.48).
Então, a participação na escola refere-se à ambigüidade entre a afirmação da autonomia destes sujeitos e possibilidade de exclusão escolar presente nestes mesmos mecanismos, remetendo, ocasionalmente, à experiência social na escola. O locus dos estudantes em processos participativos evidencia a interpenetração entre a exclusão escolar e a vivência cultural. Na próxima seção, exporei duas cenas etnográficas recolhidas de minhas inserções no campo a fim de prosseguir nesta reflexão sobre participação discente e experiência social, porém, desde um dado empírico.
3. Participação discente: duas cenas etnográficas
Cena 1
Um dos municípios gaúchos onde acompanho uma escola pública de ensino fundamental possui um projeto chamado “Governo Mirim” – uma espécie de reprodução da prefeitura local: com aluno prefeito, vice-prefeito, vereador. [...]
Anualmente, este projeto organiza um fórum local aberto à participação de estudantes da rede de ensino, tendo por assunto principal a formação de lideranças para a próxima eleição do governo mirim no início do ano seguinte. Fui convidado a assistir uma reunião de preparação para o evento. Chegando no local e horário combinado, conversei com algumas professoras enquanto aguardava o início da reunião. Como atrasou, aguardava a chegada dos alunos e alunas membros da “Prefeitura Mirim”. Pensava eu que o atraso devia-se pela ainda não presença dos alunos, como a reunião foi no centro da cidade e os estudantes viriam dos bairros. Após uns vinte minutos, fui convidado a entrar que a reunião preparatória iria começar. E os estudantes não estavam. Não era necessária a presença dos ‘organizadores’ e das ‘organizadoras’ do evento...
Cena 2
A eleição do líder de turma é uma prática comum na escola que observo. O líder de turma é um aluno representante de seus colegas nas atividades de rotina da escola que, em geral, restringe-se a participar no conselho de classe – instância de avaliação das aprendizagens em que os professores falam sobre os alunos. No dia em que estava na escola fiquei sabendo que o líder de uma turma de oitava série havia pedido transferência da escola para ir morar com a mãe e seria realizada uma nova eleição. Assim, acompanhei a diretora neste procedimento. Inicialmente, os alunos ouviram um discurso da diretora que elaborava um perfil do novo líder da turma: ser bom aluno, estudioso, bom colega, um bom exemplo a todos – o que conduzia a votar em alguns e a não votar em outros. Começaram a votar – voto aberto e oral – e, a cada voto pronunciado, percebia que as feições da diretora modificavamse, parece que os votos estavam indo à direção contrária da expectativa da dirigente. O eleito foi Jonas4, um tipo de antimodelo esperado para a função, era irônico e festivo. Os alunos votaram em quem quiseram. O voto também seria um estilo de representar ou participar na escola?
Entendo por cena qualquer fato ou imagem que prenda a atenção ou desperte qualquer reação (sentimento, analogias, por exemplo) e, particularmente, estas duas cenas foram recolhidas de minhas primeiras investidas etnográficas na escola pública estadual a fim de captar as nuances da participação discente na instituição. Optei por estes recortes ao reconhecer que apresentam elementos reflexivos sobre o tema investigado, sobretudo ao colocá-las lado a lado, revelando, pois, as incongruências de sentido nas práticas de participação escolar. Isto significa afirmar que a participação é uma prática social de sentidos e perspectivas ambivalentes entre os atores que a experimentam.
A primeira cena traz consigo as marcas da escola enquanto uma instituição formal identificada e constituída na sua estrutura – a leitura de um importante sociólogo da educação aqui elabora uma perspectiva de permite transitar de uma cena etnográfica à outra. Em 1956, Antônio Cândido publica na Separata de Educação e Ciências (Boletim do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais) o texto “A Estrutura da Escola”, o qual demarca o entendimento da escola como um grupo social e, assim sendo, permeado por diferenciadas formas de agrupamento (institucionais ou não) bem como alguns notados mecanismos de sustentação destes grupos. Há, portanto, segundo Cândido (1971), que se ter o reconhecimento de que a instituição escolar está segmentada. Seus grupos não são apenas heterogêneos, reconhecem-se heterogêneos – subgrupos. A liderança seria um dos principais mecanismos de sustentação dos referidos agrupamentos sociais, esta, quando exercida pelos professores, legitima-se em um sistema de controle baseado no prestígio e na autoridade conferidos pelo status de detentor de saber. Pois, sua liderança “é faculdade socialmente conferida de superimpor aos educandos um sistema de normas educativas e sociais preestabelecidas” (CÂNDIDO, 1971, p. 120).
Tal qualidade associa-se a uma das finalidades sociais da escola: a homogeneização. Produz subordinação, obediência, organização, (...) exclusão. Por que exclusão? A institucionalidade da escola é a contraface do reconhecimento de que o ensino está segmentado desigualmente, ou seja, aqueles que não se enquadram na “normalidade” (que por muitos é chamada de “igualdade”) são educados por sanções. Conforme o mesmo autor:
É a suspensão do insubordinado, a dispensa do relapso, a punição do atrasado, a reprovação do que não comparece. (...) É a suspensão do desatento, a reprovação do ignorante, a censura do vadio, o castigo do inaplicado (CÂNDIDO, 1971, p. 125-126).
Os escritos de Antônio Cândido atualizam-se na primeira cena etnográfica apresentada e questionam os processos de escolarização sobre suas efetivas possibilidades de democratizar-se, uma vez que, ao tornar-se escola das massas populares não se desvinculou dos padrões culturais das elites, ocasionando em processos de produção dos estigmas, dos estereótipos e das desigualdades. Neste sentido, a elaboração de Cândido antecipa toda uma discussão contemporânea sobre os processos de interação na escola, em substituição aos modelos de socialização escolares (críticos ou não), que predominaram até uma década atrás.
Portanto, este texto de Antônio Cândido permite-nos encaminhar análises e entendimentos neste contraste, um tanto impressionista, entre as duas cenas recolhidas na etnografia no seguinte aspecto: o autor não somente admite a estrutura da escola – o que outros já fizeram por uma perspectiva mais estruturalista – como sinaliza que esta estrutura é cotidianamente corrompida e desalinhada pela ação dos próprios atores. Estes atores fazem seus grupos sociais, produzem suas sociabilidades, compreendem sua participação por um sentido distinto daquele apregoado institucionalmente. Eis a contribuição de Antônio Cândido.
Se na primeira seção deste artigo pontuo a mudança sociocultural contemporânea que permite a emergência de um ator cultural que de maneira permanente retorna para si mesmo, como diz Alain Touraine, e na segunda seção articulo tal mutação cultural com os registros de experiência social de cada ator em François Dubet, agora mencionaria que este ator é capaz de desarticular a lógica da instituição por suas lógicas de ação – seria um ator que escapa aos limites e interditos da escola, em Cândido (1971). Estes mecanismos não são inócuos a valores contraditórios, não se ignora os limitadores estruturais e simbólicos da formalização escolar, ou mesmo sua abertura democrática desde 1988, mas reitero que são práticas que possuem sentidos e valores distintos para cada ator.
Ao afirmar em outro momento neste texto que o valor da participação discente não é universal entendia que há um campo de significações entre o indivíduo e a escola, o que remete a uma breve análise particular da segunda cena etnográfica exposta. Analisando o descompasso entre as expressões da gestora da escola e seu empenho em elaborar um perfil idealizado de líder de turma e, por outro lado, a eleição de um líder com um anti-perfil, não penso que tenha sido diretamente um voto de resistência à lógica institucional que os amordaça, ou mesmo um meio de depreciação dos canais de participação colocados a seu dispor na escola, mas, talvez, seria um voto de estilo diferente – pautado em outros valores e outras lógicas de ação. Por fim, concluo dizendo que participação talvez seja um estilo.
Para finalizar: da participação como estilo
Quando trato a participação como estilo não tenho a intenção de torná-la um valor liberalizado, que relativiza seu estatuto político de intervenção no cotidiano da escola, apenas desejo elucidar que estas práticas elaboram-se nas ações de cada ator e, assim sendo, não se pretendem universais ou teleológicas, mas são ações políticas sob uma lógica que articula cada experiência social e cultural. Ou seja, recuperar o sentido etimológico da expressão estilo, do latim, qual seja: “ponteiro com que os antigos escreviam nas tábuas cobertas de cera ou argila ainda fresca” (SILVEIRA BUENO, 1965, p. 1269). Pensar a participação como estilo implica verificar sua dimensão estratégica, ou seja, atualiza seu estatuto como um campo de negociações de suas formas e funções, de tal sorte que represente uma inscrição pessoal com formas e funções contingentes. Além disto, se, por um lado, a participação discente é delimitada pela institucionalidade dos canais abertos à participação, por outro, evoca uma dinâmica específica (aberta) de apropriação destes mecanismos individualmente. Para provocar novos debates e encerrar este artigo, reitero que estilos de participação seriam as inscrições do ator em um determinado registro, dos múltiplos presentes neste campo, que permitem que o mesmo elabore em sua experiência social a autonomia que lhe constitua como indivíduo ou, mesmo, que lhe evidencie/permita uma inscrição pessoal nas esferas de participação instituídas na escola a qual pertence.
2 Georg Simmel, filósofo alemão do início do século passado, desencadeou reflexões em torno das interações sociais de tal maneira detalhadas que buscava as sutilezas e nuances das relações sociais, tendo como objeto /campo a multiplicidade destas relações. Questionou-se como ser possível a sociedade, que mecanismos, processos ou estruturas lhe possibilitariam a permanência.
3 Entendo que, sociologicamente, indivíduo, sujeito e ator são conceitos distintos. Entretanto, tal distinção não se constituiu como objetivo para este estudo.
4Foram preservados os nomes reais dos informantes, portanto utilizei nomes fictícios para preserválos.
REFERÊNCIAS
AFONSO, J. A. Escola e Democracia: aproximações à transmissão cultural. Revista Educação UNISINOS. N° 13, Vol. 7, jul, dez. 2003, p. 13-25.
BASTOS, J. B. Gestão democrática da educação: as práticas administrativas compartilhadas. In:____. (org). Gestão Democrática. 3ª ed. Rio de Janeiro: DP &A, 2002, p.7-30.
CÂNDIDO, A. A estrutura da escola. In: FORACCHI, M. M.; PEREIRA, L. Educação e Sociedade: leituras de sociologia da educação. 6ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.
CURY, C. R. J. Gestão democrática dos sistemas públicos de ensino. In: OLIVEIRA, M. A. M. (org.). Gestão educacional: Novos olhares, novas abordagens. Petrópolis: Vozes, 2005, p.15-21.
DOURADO, L. F. A escolha de dirigentes escolares: Políticas e gestão da educação no Brasil. In: FERREIRA, N. S. C. (org). Gestão Democrática da Educação: atuais tendências, novos desafios. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2001, p.77-96.
DUBET, F. Sociologia da experiência. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
____; MARTUCELLI, D. En la escuela: sociologia de la esperiencia escolar. Buenos Aires: Losada, 1996.
_____. A escola e a exclusão. Cadernos de Pesquisa, n° 119, 2003a.
_____. As desigualdades multiplicadas. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003b.
HÖFFE, O. Valores em instituições democráticas de ensino. Educação e Sociedade, vol. 25, n.87, maio-agosto, 2004.
PASTORINI, A. Quién mueve los hilos de las políticas sociales? Avances y limites
em la categoria “concessión-conquista”. In: BORGIANNI, E.; MONTAÑO, C. (orgs.)
La Politica Social Hoy. São Paulo: Cortez, 2000.
PAZETO, A. E.; WITTMANN, L. C. Gestão da Escola. In: WITTMANN, L. C.; GRACINDO, R. V. O Estado da Arte em Política e Gestão da Educação no Brasil: 1991 a 1997. Campinas: Autores Associados, 2001.
PINTO, C. R. J. Teorias da Democracia: diferenças e identidades na contemporaneidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
SETTON, M. G. J. A particularidade do processo de socialização contemporâneo.
Tempo Social – Revista de Sociologia da USP. V. 17, N° 2, nov/2 005, p. 335-350.
SILVEIRA BUENO, F. Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa. 3° vol. São Paulo: Saraiva, 1965.
SIMMEL, G. Sociabilidade – Um exemplo de Sociologia Pura ou Formal. In: MORAES FILHO, E. (org.) Georg Simmel: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983, p.165-181 (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
SHIROMA, E.O.; MORAES; M.C.M.; EVANGELISTA, O. Política Educacional. 3ª
ed. Rio de Janeiro, DP&A, 2004.
SOUZA, C. O estado do campo da pesquisa em políticas públicas no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 51, fev. 2003. São Paulo: ANPOCS, EDUSC, p.15-20.
TIRAMONTI, G. La escuela em la encrucijada del cambio epocal. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 92. Edição Especial: out/2005, p. 889-890.
TOURAINE, A. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Petrópolis: Vozes, 1999.
_____. Um novo paradigma para compreender o mundo de hoje. São Paulo: Vozes, 2006.
Dados Técnicos:

Este artigo é uma versão revista de comunicação homônima apresentada no GT Sociologia da Educação, do VII Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul (Anped Sul). Itajaí, SC, junho de 2008.
SILVA, Rodrigo Manoel Dias da. ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO – PPGE/ME FURB - ISSN 1809– 0354 v. 3, nº 1, p. 72-88, jan./abr. 2008
Rodrigo Manoel Dias da Silva é Professor de Ensino Superior e Pós-Gradauação.
(Doutorando em Políticas Públicas)
Contato para cursos e palestras (e-mail): rodrigo_ddsilva@yahoo.com.br

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

AS VERTENTES DA FOME NO MUNICÍPIO DE RIO DO SUL. Uma análise a partir do bairro Itoupava

Por
Silvio Tobias Brandalize
[1]
Alex-Sandro P. Cardoso[2]
RESUMO: O artigo faz uma análise sobre os conceitos de fome e suas especividades, sendo relacionada com o global e o local, desmitificando o entendimento como sendo exclusivamente a falta de alimento. Abordando seus mitos, caracterizando as suas vertentes, sendo estas estipuladas em falta de conhecimento e de entendimento sobre a política como ciência. Discutindo a questão da fome no mundo, viabilizando em um contexto a questão da Revolução Verde como sendo um programa que tinha como base a solução para a falta de alimento no mundo, mas se tornou um grande avanço principalmente envolto à agroindústria e beneficiando o mercado exterior. Entretanto, traz uma reflexão sobre a Geografia da Fome de Josué de Castro referente ao capitulo: Conjunto Brasileiro revelando um Brasil regionalizado e enquadrado como sendo um país com grande contingente de famintos, sofrendo assim com as suas conseqüências biológicas baixas e sendo desorganizado estrutural e socialmente. Uma das vertentes da fome se enquadra também o conhecimento, não o saber científico, mas o de nos encontrarmos inseridos no mundo, de não sermos excluídos intelectualmente. Faz também uma análise sobre a caracterização regional de Rio do Sul, elencando a área de estudo e a distribuição educacional das entidades municipais, estaduais, particulares e federais do município.

Palavras-chaves: fome – mitos – conhecimento – educação.


INTRODUÇÃO.
Diante da forma de como é difundida a informação sobre a fome, torna-se pertinente a preocupação em esclarecer os dados fictícios que nos são passados como sendo verdadeiros em relação à situação socioeconômica em que se encontra a humanidade. No decorrer dos escritos, pode-se perceber a distinção entre mito e verdade sobre o tema e como é tratada a problemática por toda ou por parte da sociedade.
Sentindo a necessidade de demonstrar a atual conjuntura da “fome” no seu contexto social, político, econômico, cultural e geográfico, pode-se desta forma contextualizar teoricamente as diversas definições da “fome” e suas especividades.
Para tanto, é preciso compreender a caracterização da área educacional distribuída geograficamente. Assim como, relacionar os benefícios destinados á população de baixa renda com as políticas públicas sociais destinadas à população que sofre pela falta de alimento, sem conter uma intensão eleitoreira.
Reforçando a idéia de que a fome é um fenômeno decorrente da falta de políticas públicas, é que impulsiona de certa forma a necessidade de se elencar alguns aspectos coerentes com uma pesquisa ampla e detalhada, relatando algumas estimativas referentes à conjuntura em que se reflete a falta de alimento e o contingente de famintos espalhados no mundo. Diante da problemática da fome no mundo, tornou-se constante a minha preocupação em esclarecer os dados fictícios que nos são passados como sendo verdadeiros em relação à situação socioeconômica em que se encontra a humanidade. Movido a ter uma visão realista do contexto atual, contradizendo que a fome não é um problema econômico e sim social, com base no levantamento de dados e apoiados no contexto especifico do assunto, procurou-se caracterizar como os autores preocupados com o tema que elucidam a questão da fome, quer seja em aspectos políticos econômicos ou sociais.
Dentro de um contexto de turbulências econômicas, políticas e sociais, o Brasil e o mundo mudaram substancialmente nesses últimos cinqüenta anos, seja por conta de fatores externos ,derivados de um mundo progressivamente globalizado. Seja pelo desenvolvimento autônomo de circunstâncias e processo histórico e cultural, próprios do que se pode chamar de modelo brasileiro. Diante dessas mudanças, podem-se evocar algumas condições seletivamente indicadas para o processo saúde/doença em escala populacional. Mesmo em países desenvolvidos uma parcela da população é vítima da fome, isto é, tem alimentação deficiente. Mas é nos paises subdesenvolvidos que o flagelo da fome atinge maior número de pessoas.
Em se tratando das Práticas Pedagógicas, este estudo de caso sobre a fome e suas vertentes, servirá como fonte de pesquisa ampla, para o professor se orientar quando deparar-se com este tema no decorrer dos conteúdos escolares. Sendo que os livros didáticos, muitas vezes trazem a opinião de poucos autores que não dão ênfase em tratar desta questão. Sendo a fome, um tema, tão abrangente e não só vinculado à falta de alimento, pois também traz aspectos políticos e sociais e não oferecem todas as informações diversificadas e contraditórias que o assunto trata.

FOME DE ALIMENTO.

O relatório da ONU confirma que 19 paises estão no ranking de redução dos famintos, desde 1990-1992, totalizando 80 milhões de pessoas que saíram da faixa de desnutridos. Entre esses países inclui-se o Brasil.
No início dos anos 1990, Herbert de Souza (sociólogo brasileiro), liderou uma campanha nacional em prol da erradicação da fome no Brasil, onde se intitulava: Ação contra a Fome e a Miséria e pela Vida, alertando a população sobre o mal que assolava o país, mobilizando vários setores da sociedade, com divulgação em rede nacional e campanhas de arrecadação e distribuição de alimentos. Contudo, Betinho, reconhecia que uma ação emergencial não sanaria a problemática da fome, pois precisaria de uma reestruturação na política de distribuição de renda, para que, houvesse algum resultado significativo.
Com resultados das promessas eleitorais do então presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva de erradicar com o programa Fome Zero, os problemas da fome até o final de seu primeiro mandato, contribui para que o assunto em destaque criasse mais força e alcançasse a massa pobre do país.
Uma iniciativa do atual presidente brasileiro foi à adoção do Programa Bolsa Família. Este programa tem como objetivo a transferência de renda do governo federal e é coordenado pelo ministério do Desenvolvimento Social (MDS), causando impactos positivos e é considerado um dos maiores programas de transferência de renda do país, beneficiando mais de 7,5 milhões de famílias, com repasse mensal de R$ 488 milhões[3].
O programa está presente em todos os municípios e no Distrito Federal. Santa Catarina que é um dos Estados mais desenvolvidos do país contabiliza 767 mil miseráveis - sem contar os desempregados. Dentre os municípios catarinenses contemplados com o repasse, destaca-se a AMAVI, com abrangência de 28 municípios, onde são beneficiadas 6.821 famílias. Dados esses, repassados pela Caixa Econômica Federal da Cidade de Rio do Sul, onde conta com 985 famílias cadastradas totalizando um repasse de R$53.017,00[4].
BOLSA FAMÍLIA

Região - N° de Benefícios - Valor R$
Brasil - 7,5 milhões - 488 milhões
Santa Catarina - 216.714 - 10.179.450,00
Vale do Itajaí - 19.379 - 1.057.637,00
AMAVI - 6.821 - 367.319,00
Rio do Sul - 985 - 53.017,00


Tabela 1: Relação do número de benefícios do programa: Bolsa Família.
fonte: tabela elaborada pelo autor.
Ao observar os dados, é possível constatar que o elevado número de benefícios revela a falta de um rendimento próprio e de um salário satisfatório por parte da população, indicando com isso, a deficiência em adquirir produtos básicos para a sua sobrevivência. Quanto maior o número de benefícios, maior é a carência da população.


A QUESTÃO DA FOME NO MUNDO.
Até mesmo em países ricos ou desenvolvidos uma pequena porcentagem populacional encontra-se sob o efeito do flagelo da fome, ou ainda com uma deficiência alimentar. Contudo, é nos países pobres que este número abrange maior quantidade, atingindo principalmente mulheres e crianças, que em muitos casos já nascem desnutridas, comprometendo assim o seu desenvolvimento.
Sete Mitos Sobre a Fome.
Tratando-se desse tema, que envolve mais interesses econômicos do que sociais, cria-se e repassam-se informações distorcidas, fazendo com que um problema social de ordem mundial, caia na mediocridade e na intolerância governamental. Fazendo com que, todos entrem nesta impassividade e sejam coniventes com as atrocidades decorrentes da exploração econômica, da falta de políticas públicas, da incompetência administrativa e da falta do sentimento de humanidade. Repassam-se então os mitos sobre a fome, conforme Coelho, 1992:

Primeiro Mito:
Os alimentos produzidos no mundo não chegam para todos.
Se a atual produção de alimentos fosse distribuída, cada pessoa poderia receber mais de 2.500 calorias diárias. No entanto, o comércio mundial de alimentos torna inútil qualquer esforço para resolver o problema da fome no Terceiro Mundo.
Segundo Mito:
Para vencer a fome deve-se controlar a natalidade.
A idéia de que a população mundial cresce rapidamente do que a produção de alimentos vem sendo difundida desde a década de 60. Essa explosão demográfica é facilmente destruída, pois as cifras mostram que, o crescimento anual médio da produção de alimentos nos últimos vinte anos excede os 3%, enquanto o crescimento demográfico está em torno de 2%.
Terceiro Mito:
Os países desenvolvidos alimentam os pobres do mundo.
Se os países não desenvolvidos consumissem todo o alimento que produzem, não haveria desnutrição e nem mortes por inanição nesses países.
Entretanto, as culturas de subsistências foram substituídas por culturas de exploração, transformando assim, o alimento em mercadoria, ocorrendo isto desde que a colonização européia reestruturou a produção de alimentos nos países dominados, onde estes produtos tornaram-se a base do abastecimento para os mercados consumidores dos países desenvolvidos.
Quarto Mito:
Para vencer a fome deve-se produzir mais.
O problema da fome se agravou nos últimos 25 anos, onde através de dados do Banco Mundial, em 1986, já havia 750 milhões de desnutridos, localizando-se e sendo mais drástica na Ásia (80%), na África (60%) e na América Latina (40%). Por outro lado, a FAO, dá conta da destinação do excedente de alimentos nos últimos anos, 485 milhões de toneladas (1986-87), sendo que nesta mesma época, os Estados Unidos tinham estocado cerca de 70 milhões de toneladas de alimentos.
Quinto Mito:
Não existe terra suficiente.
Estima-se em 1,5 bilhões de hectares o total de terras aptas para o cultivo no mundo. No entanto, menos da metade dessa terra é usada na produção de alimentos, sendo que na África e na América Latina apenas 20% são utilizadas.
Sexto Mito:
A tecnologia moderna ajuda a combater a fome.
A mecanização da agricultura, a intensa utilização de pesticidas e fertilizantes químicos, bem como a variedade híbrida das sementes, não contribui para a solução dos problemas de desnutrição no Terceiro Mundo, tem de fato, estimulando a concentração da propriedade rural, diminuindo a variedade de culturas nativas, a policultura, ao consumo local e a dependência de insumos importados.
Sétimo Mito:
A grande empresa agrária permite racionalizar a exploração da terra, aumentar a produtividade e barateando os alimentos.
Em se tratando do combate à fome, o pequeno produtor mostra-se mais eficaz do que o grande empresário que concentra a propriedade da terra nos países que padecem de carência alimentícia. Onde, em 83 países, cerca de 3% das propriedades rurais dispõe de 113,67 acres, controlando 89% de toda a área de cultivo, fazendo com que o grande empresário agrícola orienta sua produção para o mercado exportador, se concentrando na monocultora. (GUIA DO TERCEIRO MUNDO, apud COELHO, 1992 p 269-271).

Evidencia-se, através do estudo sobre os mitos da fome, que o enfoque se dá pela falta de conhecimento por grande parte da população e pela deformidade com que a temática é tratada pelo modelo econômico mundial. Visto que, o real interesse está voltado para os bens de consumo mais rentáveis, com maior circulação e com vida útil mais curta, do que a satisfação em criar meios para sanar a falta de alimento para a população menos favorecida.


REVOLUÇÃO VERDE.

Segundo FALEIRO, 2007, este programa objetivava na contribuição de formas científicas para um aumento expressivo na produção agrícola, bem como na sua produtividade de cunho global. Consistia em multiplicar as sementes que se adequasse às condições climáticas, às condições do solo e que fossem mais resistentes às pragas e doenças, auxiliando também na modernidade do plantio e no maquinário agrícola.
O pesquisador Norman E.Borlaug (Premio Nobel da Paz em 1970) foi considerado o pai da Revolução Verde, pelo seu feito neste programa.
O programa deu seus primeiros passos por volta de 1946, quando o governo mexicano convidou a Fundação Rockefeller para desenvolver trabalhos sobre a causa da fraqueza de sua agricultura. Diante disso constataram (naquela época) que o melhoramento de plantas deveria vir com um melhoramento cientifico sendo o principal recurso para atacar o problema da fome e da produção de alimentos.
Desse modo ocorreu uma intervenção controlada do processo de produção agrícola planejada e habilmente executada. Em 1950, o México quadruplicava sua produtividade de trigo e em 1956, atingia a auto-suficiência na produção desse cereal. Através desse feito, a Fundação Rockefeller levou o conceito de Revolução Verde para outros paises e outras culturas. Em 1963, a FAO organizou o Congresso Mundial de Alimentos, onde realizaram estudos e acompanhamentos em quatro regiões: África, Ásia, Oriente e América Latina.
No Brasil, passaram a desenvolver tecnologia própria, tanto em instituições privadas quanto em órgãos governamentais (EMBRAPA). A partir da década de 1990 difundiu-se através desse programa para todo o território nacional, permitindo que o Brasil vivesse um desenvolvimento agrícola com o aumento da fronteira agrícola, a propagação de culturas (soja, milho, algodão, entre outros) colocando o país como recordista de produtividade, atingindo recordes de exportação.
Em conseqüência disso, apesar de ter aumentado bastante a produção agrícola das regiões em que foi aplicada, a Revolução Verde passou a sofrer críticas no mundo inteiro, onde o fato de o problema da fome não ter sido eliminado e em algumas regiões este contingente aumentou, elevando gradativamente o problema.
Em se tratando da área social, prejudicou os pequenos produtores, pois com o tempo, os preços dos gêneros alimentícios tendessem a cair, fazendo com que esses produtores vendessem suas terras para os grandes proprietários, que dispunham de maiores recursos financeiros e maquinários agrícolas, adquirindo grandes extensões de terra e com isso acabando com a policultura.
Do ponto de vista econômico, a agricultura tende a ser controlada por um pequeno número de empresas multinacionais, pois são elas que mais investem em pesquisas e com isso, acabam monopolizando certas tecnologias e cobram elevados preços para permitir que os agricultores as utilizem, beneficiando esses grupos.
Do ponto de vista do impacto ambiental, produziu uma contaminação de alimentos e das águas locais, contaminação essa causada pelo excesso de adubos químicos e agrotóxicos, sendo carregados pelas chuvas até os rios e infiltrando no solo, poluindo os lençóis freáticos. Outro impacto se dá pela monocultura, pois elimina inúmeras espécies de plantas e de animais nativos, ocasionando um desequilíbrio ecológico.


O CASO DO BRASIL

De acordo com HELENA (2003), para caracterizar a fome no Brasil, é preciso ressaltar que, na década de 1980, tinha-se uma estimativa onde 50 milhões de pessoas viviam em situação paupérrima e que na década seguinte, esse mesmo número perdurava. Na atualidade, calcula-se que entre 55 a 60 milhões de pessoas não conseguem suprir suas necessidades devido à baixa renda em que se encontram.
Segundo CASTRO (2005), a problemática da fome no Brasil, tem sua herança enraizada no seu passado histórico, na desarmonia dos grupos humanos com os quadros naturais, sendo muitas vezes provocada pela agressividade do meio hostilizado pelo colonizador em sua ideologia aventureira e mercantilista. Que consequentemente desdobrou-se em ciclos de economia, deste a extração do pau-brasil, até a industrialização, desestruturando os processos de criação de riqueza no país.
Em termos, o reajustamento econômico e social foi conseqüência da incapacidade do Estado em inviabilizar os interesses coletivos, ou ainda privilegiando os interesses dos monopólios estrangeiros em nossa exploração de tipo colonial, orientando a nossa economia para a exploração primária da terra e para a exportação das matérias-primas, não sobrando recursos para atender as necessidades internas do país. A incapacidade dos governos em romper com os monopólios estrangeiros, mostrou a fraqueza do poder político central, onde o processo econômico limitava-se a ampliar os lucros de um pequeno numero de proprietários agrícolas, servindo os interesses colonialistas, e viabilizando o poder para ambas as partes, onde aliada á política monopolista e a urbanização desenfreada a partir dos fins do século passado, contribuíram ainda mais para acentuar a nossa deficiência alimentar. Pois a urbanização não encontrando nenhuma civilização rural bem enraizada desequilibrou a alimentação, pois sem estímulos o meio rural tornou-se agroindustrial.
Portanto, o Brasil se caracteriza como sendo um território de contrastes, onde a realidade social é retrata num quadro conturbado e dispare do nosso passado. Hoje o desenvolvimento econômico se constituí de uma idéia-força, do povo em se emancipar, de participar ativamente das transformações econômicas e controlando os resultados coletivamente.
O impulso do nosso desenvolvimento, no qual se mostra em certos setores, principalmente o industrial, revela-nos, que a economia brasileira cresceu, mas isto não se caracteriza como sendo de um todo, pois um desenvolvimento econômico não corresponde a um desenvolvimento social, o que de fato interessa à massa brasileira, a desigualdade social continua e a fome é alarmante.
Há também um descaso com a agricultura de subsistência que, justifica-se em parte pela escassez de recursos num país subcapitalizado e pela necessidade de concentrá-los nos bens de equipamentos, transformando-se em uma ameaça agravante ao processo de industrialização nacional. Cria-se então, um dilema: investir suas escassas disponibilidades na obtenção de bens de consumo ou de concentrá-las na industrialização intensiva. Algo que se aplica e dificulta a economia, voltada á agricultura está à reforma agrária como sendo uma necessidade histórica, onde compete uma revisão das relações jurídicas e econômicas, entre os que detêm a propriedade agrícola e os que trabalham nas atividades rurais, beneficiando toda a coletividade rural e não uma simples desapropriação e redistribuição da terra para atender as aspirações dos sem-terra.
Tratando-se da situação brasileira como um todo, alguns fatores interferem no desenvolvimento econômico social, nas condições alimentares e nutrição do brasileiro: o desenvolvimento da industrialização, a dualidade da civilização brasileira, a estrutura agrária feudal, os baixos índices de produtividade agrícola, inflação provocada pelo preço dos produtos agrícolas e a disparidade do setor industrial com o setor agrícola.
Neste quadro, nota-se que a alimentação do brasileiro é imprópria, caracterizando uniformidade territorial, onde a desnutrição é generalizada e não ocorre, em parte, nenhum plano de desenvolvimento para melhorar as condições de alimentação do povo.

FOME DE CONHECIMENTO

Ao analisar a questão do conhecimento e bem como a educação em si, verifica-se na Constituição Brasileira, o nosso direito:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Brasil. 2000, p.118).


Temos uma insaciável fome de saber. Essa fome não se trata somente do saber cientifico/composição dos elementos, processos químicos, relação de física em nossa vida, das diversas patologias que agregamos ao longo de nossa caminhada /mas essa fome de saber é de nos encontrarem inseridos no mundo no qual vivemos e saber qual o nosso lugar.
O fato da oposição entre dentro e fora, aqui e lá, perto e longe nos demonstra certo tipo de familiaridade e domesticação de vários fragmentos do mundo circundante. Estar longe dificulta o acesso à informação, contem as coisas sobre as quais pouco se sabe,pouco se espera,é uma experiência enervante é estar deslocado, fora do próprio elemento, atraindo problemas e temendo o perigo.
Dessa forma os inseridos longe se sentem comunidades fragilizadas de acordo com a velocidade que os fatos acontecem e de longe só assistem, se é que assistem.

O tipo de unidade possível em pequenas comunidades pela quase simultaneidade e custo quase nulo das comunicações através da voz, natural dos cartazes e folhetos, sofre um colapso em escala mais ampla. A sócia, em qualquer escala é uma função do consenso, conhecimento comum sem constante atualização e interação, essa coesão depende crucialmente da estrita e primária educação -e memória -da cultura. A flexibilidade social, ao contrário depende do esquecimento e da comunicação barata. (BENEDIKT, apud BAUMAN 1999, p.22-23)

Ao constatar (BENEDIKT, apud, BAUMAN, 1999), que dentro de nosso conhecimento temos uma visão preestabelecida sobre o mundo, um olhar técnico. Só sabemos daquilo que estamos falando e ainda assim superficialmente, erroneamente e focalizado em um ponto qualquer sem muito conhecer. Para tanto, o conhecimento está, em uma sociedade capitalista, globalizada e excludente, vinculado ao trabalho e a forma de se viver. Com isso, ocorre a massificação e enfileração de desempregados e incapacitados de atuar no competitivo mercado de trabalho, fazendo com que se criem especializações cotidianas, para reforçar o “exercito de reserva” (mão-de-obra).
Assim, constata:
Com o crescimento do desemprego cresce a procura pela educação como forma de se proteger, tanto da possibilidade da demissão quanto do próprio desemprego. A busca de um certificado de escolaridade como atributo para o mercado de trabalho pode estar mobilizando indivíduos de faixa etária superior ás consideradas regulares a matricularem-se no sistema público de ensino e em outros programas especiais. (OLIVEIRA, 2000, p.310),

Qualquer um membro da sociedade, elite ou não, necessita de conhecimento. Fome por conhecimento não é só por parte dos acadêmicos, mais sim de todos, que de alguma forma sentem fome de algum tipo de saber. Vemos no ser humano um perfil de um ser cuja consciência, “especializada” e “vazia”, deve ser “enchida” para que possa conhecer. Conhecer é um processo, e todo processo demora a acontecer, para conhecer é preciso que se tome posse do objeto de estudo. Não é apenas um mero ato de memorizar, é muito mais, é uma ação dinâmica dialética e reflexiva, pois temos que nos voltar para os acontecidos anteriores para podermos lembrar o conhecimento que neles tivemos para mudar nossa visão sobre o mesmo.
Tem-se então, carência de conhecimento político, pois quem não conhece a essência política tem um olhar ingênuo para a realidade e passam a vê-la como um fato dado pronto e algo acabado, como se o futuro fosse pré-estabelecido. Se o conhecimento fosse algo estático e a consciência alguma coisa vazia, ocupando certo espaço no corpo, a pratica educacional estaria correta.
Atualmente, a sociedade, mostra-se dispersa e não atuante, camuflando as expectativas dos cidadãos, onde se encontram sem estudo, não tendo profissão, ficando desempregado, sem democracia e sem entender de política, multiplicando-se a cada dia. A emancipação para esses aspectos contraditórios, faz-se através da articulação da escola como instituição e membro efetivo da sociedade com parcerias dentro e fora do âmbito escolar.
Analisado-se a conjuntura capitalista, a demanda do mercado e a não especialização da mão-de-obra devido à acessibilidade da maioria da população, fez-se então, a necessidade das escolas noturnas supletivas para atender uma classe sem perspectiva e sem anseio na melhoria qualificacional, que está longe de ser a ideal. Pois acelera o tempo e encurta o aprendizado, não sendo um curso técnico e nem um regular, sistematizando o que de fato este aluno-trabalhador irá utilizar em sala de aula, no trabalho e no seu cotidiano.
Em outra hipótese os avanços tecnológicos, o novo sistema de mercado, o modo de produção e o novo modelo especificado do trabalhador, requerem uma mudança estratégica no ensino-aprendizagem, onde a escola passa a ser um espaço isolado, excluindo os que já são excluídos pela sociedade.
Vivencia-se tempos atordoantes e os impasses no atual momento histórico se acumulam com velhos problemas, que ainda não se encontra solução. Para essa massa de freqüentadores das escolas noturnas que anseiam por um certificado e não uma qualificação classifica-os como sendo objetos do mercado sendo manipulados pelos produtos que estão em alta na economia do país. A diversidade econômica, o aumento da produção e os novos produtos no mercado, fazem com que se abram novos ramos de trabalho, necessitando de novas especificações, aumentando a fila dos desempregados, exigindo outro modelo de trabalhador, modelado pela economia mundial, como se devesse ser punido pela sua não qualificação.
A escola não poderá, sem ultrapassar os conflitos sociais, alcançar a necessidade do aluno, pois tendem a mesclar o interesse do trabalhador e do mercado, onde lamentavelmente a ideologia da classe dominante faz penetrar dentro das escolas mecanismos que dão impasses para um aprendizado amplo e utilitário, tanto no trabalho, como fora dele.
Buscam-se então, alternativas para uma escola que não adestre o homem, que não o torne mais passivo que já é, sendo desafiado constantemente pelo acúmulo de bens materiais, entrando no mercado especulativo, desafiando-o ao ofício de produzir conceitos estruturais para a sua vida, com fases de vencedor, trabalhador e cidadão.
Crê-se, ainda, que está em grande parte na ausência de nossas salas de aula que devemos dar competências para formar pessoas dominantes dos diferentes códigos, nas variáveis lingüísticas, em diversos conceitos e usá-los em diferentes situações, acumulando conhecimento e criando suas próprias formas de discursos. Impondo-se então, a pensar, mas em contrapartida, o próprio sistema educacional é visado pelo mercado, idealizando-o como formadores operacionais, máquinas robotizadas e não seres pensantes capazes de modificar a sua realidade.
Em vias de fato, aceitar a formação profissional como processo significa também aceitar que não existe uma separação entre a formação pessoal e profissional. Implicando reconhecer que qualquer que seja a qualificação não há uma formação fora de qualquer relação com os outros, mas dessa forma, uma relação dentro de uma realidade concreta, pela análise reflexiva individual indo de encontro com o coletivo.


A marginalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente a um número maior ou menor de seus membros o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que não só pode como deve ser corrigida. A educação emerge aí como um instrumento de correção dessas distorções. (SALVIANI, 1993, p.16).

Neste quadro a marginalidade é entendida como um fenômeno inerente á própria estrutura da sociedade, onde determinados grupos que detém maior parte da força se convertem em dominância onde se apropriam de tais condições para ter uma relevância social, prestigiando-se de sua posição, excluindo os demais, onde nesta conjuntura, a educação depende e participa desta exclusivamente.
Diante da situação social e o papel da escola, percebi-se que a escola torna-se um instrumento transmissor e sistemático, surgindo como a solução para a marginalidade, sendo assim, algo contraditório. Para funcionar de acordo com essas concepções, a organização escolar teria que passar por uma reestruturação, ou por uma reformulação de seus conceitos e ideologias e, sobretudo qual é o seu real objetivo nesta sociedade.
Faz-se, então, um pressuposto de que a educação não conseguiu, ou ainda não irá conseguir alterar a organização de suas teses e nem tampouco suprir como instituição social a demanda da população, sendo ela operária ou não.
No final deste século, surge uma proposta de transformação educacional, inspirado em uma pedagogia nova, que trás concepções teóricas indo de encontro com o senso comum, facilitando o seu entendimento, exigindo uma neutralidade científica sem nenhum vicio e sem nenhuma virtude, sendo então, uma decorrência do processo educacional.
Compreende-se então, que para tal forma a marginalidade não será identificada e nem detectada como sendo rejeição, mais sim como sendo improdutivo, tornando os indivíduos eficientes e capazes de contribuir com o aumento da produção da sociedade e com as múltiplas funções do sistema.
Em todos os casos, trata-se de reproduzir as relações exploratórias capitalistas, onde neste contexto, o fenômeno da marginalidade se insere nas funções trabalhistas relacionadas com o meio de produção e o patronal. Visto que o aparelho ideológico formador das classes burguesas é sem sombra de dúvida a escola, sendo desta forma burocrática e anienalistica, defendendo interesses próprios dessa classe, mais uma vez marginalizando e excluindo.
Por sistematização e democratização em bases teóricas, a escola sempre defendeu e articulou a democracia, só que não a defendia, pois era contraditória, ficando somente na falácia e não agindo plenamente no próprio temo da palavra, sendo omitido e assim, seguindo conselhos alheios aos seus próprios princípios. Deixando-se manipular, desmocratizando-se, onde não se tem o ensino da democracia através de práticas pedagógicas, nem orienta para portar-se democraticamente. Visto que, em uma sociedade que desconhece este termo, a vinculação torna-se difícil e longe do ideal, que neste caso constata-se:

[...] que o processo educativo é passagem da desigualdade à igualdade. Portanto, só é possível considerar processo educativo em seu conjunto democrático sob condição de se distinguir a democracia como realidade no ponto de chegada. (SALVIANI, 1993, p.88.)

De fato, a prática pedagógica deve posicionar-se criticamente, onde este posicionamento define a sua estrutura e a sua participação social, não como objeto da sociedade e sim, como agente vinculador, atuante e participativo, contribuindo assim para uma reestruturação no sistema educacional, visando a adequação homogenia do conhecimento, atingindo vários segmentos sociais.


CARACTERIZAÇÃO EDUCACIONAL REGIONAL DA ÁREA DE ESTUDO[5].

TABELA 1: Caracterização da Área Educacional com o total de Unidades Escolares por região.


TOTAL de UNIDADES ESCOLARES
REGIÃO - Federal - Estadual - Municipal - Particular -
Santa Catarina. - 10 - 1.228 - 4.449 - 1.000
Vale do Itajaí. - 2 - 149 - 775 - 127
AMAVI. - 1 - 127 - 638 - 108
Rio do Sul - 1 - 9 - 31 - 12
fonte: tabela elaborada pelo autor.
A tabela acima constata, a pouca disponibilidade de instituições educacionais distribuídas por região, mantidas pelo governo, caracterizando a demanda para uma população que possui uma renda média/alta, verificando que a proporção destinada ao público em geral não atende as expectativas.
TABELA 2. Escolas de Rio do Sul: Divisão por Bairros.
ESCOLAS ---- RIO DO SUL: divisão por bairros.


BAIRROS - UNIDADES ESCOLARES
Municipal - Estadual - Particular - Federal - Albertina

Barra da Itoupava - ∆-01
Barra do Trombudo. - ∆- 01/ ▀ 01
Barragem - ∆- 02/●-01/∆ 01
Bela Aliança - ∆-02/ ▀ 01
Boa Vista - ∆-01/▀ 01
Budag - ∆-01/●-01/▀ 01
Brehmer - ●-01
Canoas - ●-01
Canta Galo - ∆-01/▀ 01/∆ 01
Centro - ∆-01/▀ 01/ ▀ 02
Eugênio Schneider
Fundo Canoas - ●-01/▼01
Jardim Alexander - ∆-01
Jardim América - ∆-02/◙ 01/▀ 01/∆ 01
Laranjeiras - ∆-02/▀ 01
Navegantes - ∆-01
Pamplona - ∆01
Progresso - ●-01
Rainha - ●-01
Santa Rita - ●-01
Santana - ∆-01/●-01/ ▀ 01/∆ 01
Sumaré - ●-01/▼ 01
Taboão - ∆-01/◘ 01/▀ 01
Valada Itoupava - ∆-01
Valada São Paulo - ∆-01


LEGENDA

Centro de Educação Infantil.

Ensino Fundamental.

Educação Infantil e Fundamental.

Ensino Fundamental e Médio.

Ensino Superior.

Escolas Técnicas.
fonte: tabela elaborada pelo autor.

Através desta caracterização, faz-se uma análise socioeconômica do município, pois conforme o número de escolas que cada bairro possui, demonstra a demanda da população, o acesso à educação e ao conhecimento, bem como a acessibilidade aos serviços públicos. Por esta linha, entra o auxilio da Bolsa Família, pois alguns cadastros são feitos através das escolas e encaminhados para a Assistência Social do município e posteriormente a Caixa Econômica Federal para a efetivação dos benefícios e sua distribuição.
A RELAÇÃO DA PROBLEMÁTICA COM AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA.

A função de qualquer disciplina não é o entendimento de seu objeto de estudo, e sim a partir dele colaborar para a compreensão do todo.
Uma disciplina maçante, mas antes de tudo simplória, pois, como qualquer um sabe, “ em geografia nada há para se entender, mas é preciso ter memória...” De qualquer forma, após alguns anos, os alunos não querem mais ouvir falar dessas aulas que enumeram, para cada região ou para cada país, o relevo – clima – vegetação – população – agricultura – cidades – indústrias. ( LACOSTE,2005,p.21).

Vindo por este pressuposto, a geografia, tornou-se uma disciplina escolar e universitária, sem utilização e sentido prático diário na vida do ser humano, pois somente se faz necessário como matéria no currículo escolar, presente na grade. A sua utilização se faz como método de memorização, onde os dados apresentados são meros complementos se outras ciências, sem analisarmos “geograficamente”, como determinado fato ocorre, suas causas e conseqüências e suas relevâncias para a humanidade, sejam elas, políticas, econômicas, sociais, culturais, históricas ou comportamentais; sem uma autonomia ou identidade; de que os problemas da geografia somente dizem respeito aos geógrafos, onde se devem levar em conta os próprios conceitos científicos, como se elevassem em um patamar distante da realidade de todos ou do próprio entendimento dos não – letrados; como relações ligadas às ideologias e as práticas de poder.
Através do objeto de estudo da geografia- o espaço geográfico- a disciplina pode e deve oferecer elementos necessários para o entendimento de uma realidade mais ampla. A geografia não é a descrição sumária de dados e de problemas, é a interpretação de problemas globais, sociais, tradicionais e modernos. O estudo sobre a temática fome e sua relação com as práticas pedagógicas, está vinculada com o saber explícito do professor, que deve fazer um elo entre o cotidiano em sala de aula e suas especividades, com assuntos polêmicos que surgem nas discussões ou por mero acaso. Contudo o livro didático mostra superficialmente ou não trata com real importância esse tema, pelo fato de não ser relevante (na visão do autor) para o conteúdo proposto, ou em muitas vezes não condiz com a ideologia da instituição, fazendo com que passe-se despercebido.
Segundo os PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (2001, p.115):
Independentemente da perspectiva geográfica, a maneira mais comum de se ensinar Geografia tem sido pelo discurso do professor ou pelo livro didático. Este discurso sempre parte de alguma noção ou conceito chave e versa sobre algum fenômeno social, cultural ou natural que é descrito e explicado, de forma descontextualizada do lugar ou do espaço no qual se encontra inserido. Após a exposição, ou trabalho de leitura, o professor avalia, pelos exercícios de memorização, se os alunos aprenderam o conteúdo.

O Ensino da Geografia e as suas Práticas Pedagógicas precisam criar mecanismos para que a produção e vinculação de temas contraditórios e sistemáticos não fiquem no mero acaso ou sejam utilizados esporasticamente, não havendo reflexão, não causando impacto e não alterando a forma de pensar e agir dos indivíduos.
Num mundo em que a informação passa para o primeiro plano, como signo de distinção social, a “formação” do cidadão na escola tem passado para o segundo plano, instalando um período de crise no ensino, numa sociedade em que a informação se confunde com a formação. O tempo da informação é rápido, seu ritmo é veloz, em pouco tempo tudo se torna obsoleto. (CARLOS, 1999, p.7).

Para tanto, faz-se necessário atrelar a temática com projetos pedagógicos de cunho social, com pesquisas bibliográficas e de campo, que não fiquem somente na escola, sendo meramente algo há ser trabalhado isoladamente. Portanto, a fome e suas vertentes, não podem ser vinculadas somente á disciplina de geografia como assunto na área social, ou políticas públicas. Deve-se entrar na interdisciplinaridade, com ligação nas disciplinas de ciências (carência no valor calórico dos alimentos), em matemática (na porcentagem de desnutridos) em língua portuguesa (na elaboração e interpretação de textos), em história (na incidência de mortes por desnutrição, na cronologia), educação física (pesagem e resistência física) e em ensino religioso (nas diferentes culturas religiosas e os seus hábitos alimentares). Para que, com isso, seja de fato lidado com todo o campo pedagógico e que levante o maior número de informações para que a temática seja analisada e refletida, criando assim um embasamento plausível e de relevância considerável enfocando nas soluções direcionadas ás políticas públicas do município. Visto que, em Rio do Sul, apesar de um número vultoso de famintos, este tema não é trabalhado e muitas vezes ignorado pelas escolas, que somente prestam o serviço de cadastramento de alunos para o programa Bolsa Família.
Os projetos devem propiciar conhecimento, análise crítica e mudança de comportamento, para que cultive nos educandos uma personalidade senso-crítica, que seja enaltecida e difundida a formação do “ator social”, possibilitando através do conhecimento geográfico uma inserção na sociedade, pois esta deve prepará-lo para o convívio escolar e não o contrário.


CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A problemática envolta do tema “fome”, estrutura-se através da demagogia no qual é tratada e manipulada. Criam-se mitos e incorporam-se socialmente tabus, pois a fome, seja por falta de alimento ou por baixo valor calórico, não se faz necessário (politicamente) uma abrangência teórica ou discutível perante os segmentos da sociedade, onde os órgãos competentes não viabilizam recursos imediatos para sanar a situação, pois não se trata de algo que mereça destaque e atenção, onde requer algum cuidado na logística para difundir a discusão e realçar as condições de penúria em que se encontra a grande massa paupéria que rodeia os pequenos e não menos poderosos “bolsões” de riqueza da nossa sociedade atual.
Por esse entender, ainda permanece grave, caracterizando-se por uma vinculação com a falta de renda para uma alimentação adequada, sendo impulsionada pelos baixos salários e pelo crescente índice de desemprego, tanto nas regiões metropolitanas como nas pequenas cidades interioranas. A realidade relacionada a disparidade na distribuição de renda, encontra-se em um enorme abismo, sendo este econômico, cultural e politico. Não contextualizando uma visão igualitária. Pois requer quebras em alguns paradigmas, fazendo-se por princípio uma reestruturação na conjuntura da atual política brasileira, no abuso de poder por parte de nossos governantes e no alto grau de corrupção que assola o país.


REFERÊNCIAL BIBLIOGRÁFICO.


ALVES, Nilda. (org.). Formação de Professores. Pensar é fazer. 1- Questões da nossa época. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.

BAUMAN, Zygmunt.A Globalização:as conseqüências humanas.Trad.Marcus Penchel.Rio de Janeiro:Jorge Zahar,1999.p.22-23.

BELFIORE, Mariângela. (org.) Desigualdade e questão social. São Paulo: EDUC, 2000.

Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Luiz Eduardo Alves de Siqueira. – 25ª ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva. 2000.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. Geografia em sala de aula. ed. Contexto, 1999.

CASTRO Josué de. Geografia da Fome. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

COELHO, Amorim. Geografia Geral. São Paulo: Moderna, 1992.p.269-271.

HELENE, Maria Elisa Marcondes. Fome – Série Diálogo na Sala de Aula – São Paulo: Scipione, 2003.

LACOSTE, Yves. A geografia – Isso serve, em primeiro lugar para fazer a guerra. Tradução: Maria Cecília de França. Campinas, SP: Papirus, 1988.10ª ed. 2005.

MEDEIROS, João Bosco. Redação científica: A prática de fichamentos, resumos e resenhas. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2003.p.266-267.

MORAES, Antônio Carlos Robert. Ideologias geográficas 4ªed. São Paulo: Hucitec - Ltda. 2002.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. Educação Básica: gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
OLIVEIRA, Eriovaldo U. Para onde vai o ensino de geografia? Contexto, 1989.

Parâmetros curriculares nacionais: história e geografia / Ministério da Educação. Secretaria da Educação. Fundamental. – 3. ed. – Brasília: A Secretaria, 2001.

SALVIANE. Demerval. Escola e democracia. Autores Associados, 27ª ed.Campinas: 1993.

WEFFORT, Francisco C. (org.) Os clássicos da política. 1. Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, ”O Federalista”. 1 volume. 13 ed. São Paulo: Ática, 2004.

MATERIAL DE SITES DA INTERNET.


SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO SANTA CATARINA. Disponível em < http://sistemas.sc.gov.br >Acesso em 14 de jun.2009.

SISTEMA ESTADUAL DE REGISTROS E INFORMAÇÃO ESCOLAR – SERIE.
Disponível em < http://sistemas.sc.gov.br.hinicial.asp >Acesso em 14 de jun.2009.

TOTAL DO MUNICÍPIO. Rio do Sul. Disponível em < http://sistemas.sc.gov.br/.aspx?7FyNPF65JThjswl3jpesyQ== >Acesso em 05 de jul. 2009.

ASSISTÊNCIA SOCIAL E HABITAÇÃO. Secretaria Municipal de Assistência Social e Habitação. Departamento de Assistência Social. Programa Bolsa Família. Disponível em <www.riodosul.sc.gov.br/portal/index.php. >Acesso em 03 de jul. 2009.

ASSISTÊNCIA SOCIAL E HABITAÇÃO. Secretaria Municipal de Educação. Educação em Números. Disponível em <www.riodosul.sc.gov.br/portal/index.php. >Acesso em 03 de jul. 2009.

BOLSA FAMÍLIA. CAIXA ECONÕMICA FEDERAL. Benefícios Sociais: Bolsa Família – folha de pagamento -sintético- por prefeituras; SR: Vale do Itajaí. Rio do Sul, 2007. Disponível em
< http://www.caixa.gov.br/voce/social/transferencia/bolsa_familia/index.asp.> Acesso em 03 de jul. 2009.
CAIXA ECONÕMICA FEDERAL. Disponível em
http://www.caixa.gov.br/voce/social/transferencia/index.asp.> Acesso em 03 de jul. 2009.

ABREU, Edeli Simioni de. Alimentação Mundial - Uma Reflexão Sobre A História. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v12n2/02.pdf > Acesso em 03 de jul. 2009.

FALEIRO, Fábio Gelape. Revolução Verde: passado e futuro. Disponível em:
. Acesso em: 15 jun. 2007.

LOPES, Regina Lúcia Tinoco. Dossiê Técnico. Agrotóxicos. Disponível em <
http://www.periodicos.ufsc.br/index.phd/interth/esis/article/view/604/487> Acesso em 03 de jul. 2009.

[1] Silvio Tobias Brandalize – Autor do Artigo
[2] Alex-Sandro P. Cardoso – Orientador do Artigo

[3] Dados fornecidos pela Caixa Econômica Federal de Rio do Sul
[4] Dados fornecidos pela Caixa Econômica Federal de Rio do Sul
[5] Pesquisa elaborada e executada pelo próprio autor no bairro da Itoupava, Rio do Sul – SC.
ESTE ARTIGO FOI PRODUZIDO POR SILVIO TOBIAS BRANDALIZE E ORIENTADO POR ALEX-SANDRO P. CARDOSO.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

EDUCAÇÃO E POLÍTICAS SOCIAIS: O CONTEXTO LATINO-AMERICANO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

Por Rodrigo Manoel Dias da Silva

RESUMO
Este ensaio discute as configurações contemporâneas das políticas sociais no Brasil e, particularmente, estes efeitos no campo das políticas educativas. As mudanças culturais cotidianamente têm sido atribuídas aos processos de globalização os quais, pela leitura ora realizada, tendem a redefinir o papel do Estado como agente público, mercantilizar os direitos sociais como o acesso à escola e, mesmo, provocam ressignificações das práticas políticas em todas as esferas. Por fim, o autor, baseado em leituras de Néstor Canclini discute as narrativas culturais como potencialmente desestabilizadores dos discursos globalizantes.
Palavras-chave: políticas públicas – Estado - educação – globalização
RESUMEN
Este ensayo tiene por objeto aportar las configuraciones contemporáneas de las políticas sociales en Brazil y,en particular, los efectos en el campo de las políticas educacionales. Los cambios culturales conducen a los procesos de globalización y introducen nuevas funciones al Estado en favor de una presencia fuerte del mercado – mercantilizando los derechos, como el acceso a la escuela. Todas las prácticas políticas cambian como resultado de la primacía de las corporaciones multinacionales. Por fin, sostenído en lecturas de Nestor Canclini, el autor plantea las narrativas culturales como posibles desestabilizadores de los discursos de la globalización.
Palabras claves: políticas sociales – Estado – educación - globalización

INTRODUÇÃO
Os contadores de história, os cantadores de história, só podem contar enquanto a neve cai. A tradição manda que seja assim. Os índios do norte da América têm muito cuidado com essa questão dos contos. Dizem que quando os contos soam, as plantas não se preocupam em crescer e os pássaros esquecem a comida de seus filhotes. (GALEANO, 2007, p.9)

"Las Palabras Andantes" escrita em 1994 por Eduardo Galeano constitui-se em um itinerário poético e social da América Latina contemporânea, revelando algumas dinâmicas das culturas do continente, ao mesmo tempo em que desvela as sutilezas cotidianas de sujeitos envolvidos pelos delineamentos políticos que os circundam. Poderíamos dizer que talvez sejam as narrativas literárias elementos catalisadores de novas reflexões sobre o contexto sóciopolítico latino-americano, pois revelam olhares enriquecidos pela dimensão vivida na qual o continente está situado. Neste sentido, junto à epígrafe de Eduardo Galeano, fazemos um convite para refletirmos sobre o estatuto das políticas sociais, em interface com àquelas vinculadas ao campo educacional, colocando, por um lado, os discursos da inevitabilidade global sob suspeita e, por outro, procurando estabelecer vinculações entre as políticas de educação no contexto referido e a sedução discursiva do mercado global. Analisamos que vivemos hoje em tempos de incertezas e de incongruências, nos quais percebemos o caráter multifacetado das políticas sociais e educativas, assim como o cerceamento discursivo de proposições de caminhos para a construção de novas formas de organização e representatividade, ao mesmo tempo em que são mantidos os interesses na permanência dos níveis desejados de governabilidade e de manutenção das políticas sociais (MARTINS, 2002). Neste paradoxo, as garantias de uma educação pública, enquanto direito e possibilidade emancipatória, não se tornam restritas a um debate no interior das instituições escolares, mas postulam-se como categoria analítica nos espaços culturais, políticos e acadêmicos o que vêm tornando o debate complexo e amplo aonde diferentes perspectivas teóricas vêm contribuindo de forma significativa nos diferentes países do continente3. Pretendemos desencadear reflexões a partir da premissa que afirma ser a cultura "esse encontro de culturas no interior de nós mesmos" (TODOROV in CANCLINI, 2003, p.15), o que significa entendê-la como um campo de interrelações, de interpenetração, no qual não se vislumbra uma cultura de contornos uniformes, mas multiformes, híbridos, imaginados, interculturais. Deste modo, o presente artigo constitui-se em uma proposta para a reflexão sobre a condição das políticas educativas contemporâneas enquanto agenciamentos politico-culturais mediadas por suas relações de administração e poder e, em igual teor, localizarmos interfaces destes processos no enredo das políticas globalizadas.
Os elementos interpretativos presentes no artigo não pretendem constituir-se em um panorama enciclopédico sobre a temática abordada, antes, porém, mapearmos alguns nexos interpretativos que o referencial bibliográfico, de modo contingente e provisório, permitiu-nos relatar. Neste escrito, portanto, apresentaremos, inicialmente, um esboço conceitual do termo globalização assentado da contribuição de Octávio Ianni (2003), assim como a busca por referenciais dialógicos a este entorno. Em seguida, serão expostas algumas aproximações contemporâneas entre educação e política no enredo da Globalização como elementos articuladores de uma redefinição nos papéis do Estado-Nação em relação às políticas sociais. Na continuidade do debate, exporemos, brevemente, um entendimento sobre a mercantilização da educação e da cultura a partir da obra de Martha Ruiz (2006). Por fim, serão apresentadas outras narrativas capazes de colocar sob suspeita as políticas vigentes e provocar olhares menos certeiros ao campo da cultura sob a contribuição de Canclini (2003).

IMAGENS DA GLOBALIZAÇÃO
Talvez fosse necessário termos escrito no plural. Globalizações. A globalização enquanto categoria analítica do pensamento social contemporâneo tem sido marcada por diferentes contribuições teóricas as quais, por lugares epistemológicos distintos, acentuam ou omitem elementos que a formação e o locus do pesquisador lhe permitem observar. Isto significa pensar as significações contraditórias, tênues e contingentes que circunscrevem o processo de globalização a esferas públicas e privadas de construção das materialidades e dos imaginários.
Portanto, para início de reflexão, apresento o conceito de globalização apresentado por um importante cientista social brasileiro: Globalização diz respeito a todos os processos por meio dos quais os povos do mundo são incorporados em uma única sociedade mundial, a sociedade global. (IANNI, 2003, p.248)
O elemento central desta proposição de Octávio Ianni manifesta-se em seu entendimento de que a globalização representa um momento de ruptura com o paradigma moderno enfatizado pelo Estado-Nação como palavra-força. Tal concepção encaminha pontuações conceituais, mas ainda carente de conceitos, categorias e interpretações eficientes diante da dinamicidade deste novo objeto das ciências sociais. Entretanto, os estudos do sociólogo referido não se tornaram unívocos ou uníssonos. Há elementos da globalização que são descritos com propriedade por outros pensadores, quer encontrando consenso, quer enfrentando dissensos – o que nos parece o mais comum. A bibliografia indica para alguns pontos convergentes, nos quais sociólogos de diferentes vertentes dialogam, o que nos permitiria pensar em tênues caracterizações destes processos. Anthony Giddens (2000) expõe o impacto nos campos das telecomunicações a partir da efetivação dos satélites como transmissores funcionais à rede informacional. O mundo global faz com que conheçamos mais ícones midiáticos, com certa familiaridade, inclusive, do que pessoas moradoras nos espaços domésticos vizinhos. A formação de uma comunidade mundial global, via eletrônica e tecnologias informacionais, permite o comércio e o consumo de informações vinte e quatro horas por dia – metáforas tentam elucidar este panorama, como "Aldeia Global" ou "Shopping Center Global" descritos por Octávio Ianni.
Além do campo das comunicações, a globalização provoca impactos no campo econômico – isto é um consenso entre seus analistas. Pensamos que seria excessivamente simplista evocarmos opiniões céticas, que afirmam ser a globalização uma mera questão de retórica, ou mesmo opiniões radicais, afirmando apenas ser esta uma manifestação do mercado global sem fronteiras nacionais (GIDDENS, 2000), pois a perspectiva econômica da questão pode revelar impactos mais complexos e reais. A metáfora proposta por Ianni parece bastante pertinente a fim de caracterizar o impacto econômico do global – "Fábrica Global" – que se refere a transformações quantitativas e qualitativas do capitalismo supra-nacional, o qual "dissolve fronteiras, agiliza os mercados, generaliza o consumismo" (IANNI, 2003, p.19). Há que se notar os impactos ambientais que esta produção em alta escala impõe, desde riscos de reações ambientais catastróficas (BECK, 1998), os vislumbrados riscos fabricados pela ação do homem sobre o mundo (GIDDENS, 2000), à necessária vinculação entre responsabilidade cidadã e meio ambiente (ACSELRAD, 1992). Esta produção em escala global pressupõe, em tese e na prática, a perda da legitimidade do trabalhador enquanto agente destes mecanismos, provocando a desregulamentação da mão-de-obra e de seus direitos, a terceirização e a privatização dos órgãos do Estado. A afirmativa anterior conduz a entrecruzamentos entre os impactos políticos e econômicos da globalização. Ao analisar as implicações das economias-mundo4 nesta trama, Ianni vinculase ao axioma ‘redefinições’ nas prerrogativas da soberania da Nação, isto é, com a internacionalização do capital, nos contextos da desestatização, o Estado modifica-se a fim de corroborar com o status de superioridade que o mercado assume.

Além de meros analistas há, também, críticos ao modo de desenvolvimento global, alguns destes estão representados na obra de Pierre Bourdieu (2002),Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant (2002) e Aníbal Quijano (2006). Bourdieu, sobretudo, criticiza o olhar para a globalização ao caracterizá-la, historicamente, como elemento de uma política econômica e cultural estadunidense em conservar seu imperialismo, o que legitimaria seu estatuto economicista de maior economia do planeta. Assume atitudes avançadas na esfera econômica e conservadora nas esferas políticas, americanizando o mundo ocidental. Exemplifica-se:
A violência simbólica nunca se exerce, de fato, sem uma forma de cumplicidade (extorquida) daqueles que a sofrem e a ‘globalização’ dos temas da doxa social americana ou de sua transcrição, mais ou menos sublimada, no discurso semi-erudito não seria possível sem a colaboração, consciente ou inconsciente, direta ou indiretamente interessada, não só de todos os "passadores" e importadores de produtos culturais com grife ou dé griffés (editores, diretores de instituições culturais, museus, óperas, galerias de arte, revistas etc.) que, no pró rio país ou nos países-alvo, propõem e propagam, multas vezes com toda a boa-fé, os produtos culturais americanos, mas também de todas as instâncias culturais americanas que, sem estarem explicitamente coordenadas, acompanham, orquestram e, até por vezes, organizam o processo de conversão coletiva à nova Meca simbólica. (BOURDIEU; WACQUANT, 2002, p. 21)
Autores latino-americanos têm, seguindo a esteira de Bourdieu, erigido suspeitas com relação à globalização e a suas maneiras de interpretar a realidade, falo do sociólogo peruano Aníbal Quijano e do brasileiro José de Souza Martins. A obra recente de Quijano (2005, 2006) pretende debater o estatuto do poder na América Latina, o que provoca a desconstrução do paradigma moderno universal em suas idéias de razão e progresso, pois o autor acentua a não-linearidade destes processos em suas ambivalências, fraturas e descontinuidades. Segundo este, é o poder, logo, as lutas de poder e seus mutantes resultados, o que articula formas heterogêneas de existência social, produzidas em tempos históricos distintos e em espaços distantes, aquilo que as une e as estrutura em um mesmo mundo, em uma sociedade concreta, finalmente, em padrões de poder historicamente específicos e determinados. Ao analisar os padrões de poder que constituíram a América Latina, Quijano (2005) apresenta a "colonialidade" e a "globalidade" deste novo padrão de poder que, assentados em princípios colonizadores, enovelam valores universalizantes que afirmam seu status de poder como inevitável, global, inalterável – uma retórica conhecida hoje pelos discursos globalizantes. Diante da colonialidade como traço de poder na América Latina, analiticamente é possível mencionarmos os impactos econômicos do mercado europeu, ou estadunidense, sobre a economia local e, por outro lado, a sedução dos discursos políticos que procuram invisibilizar as tensões em seu interior.
Aqui poderia estabelecer relações com a obra de José de Souza Martins (2003) que aponta para o falso problema da exclusão social, isto é, a sociedade capitalista global não promove exclusão social, até porque este termo, segundo o autor, é impreciso sociologicamente, mas esquemas de "inclusão marginal" no qual os atores sociais são re-integrados precariamente no mercado de trabalho. Os modos de absorção do trabalhador desempregado o incluem de forma marginal no campo econômico, desestabilizando sua vida social. Pois:
Este processo que nós chamamos de exclusão social não cria mais os pobres que nós conhecíamos e reconhecíamos até outro dia. Ele cria uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político.(MARTINS, 2003, p.34)
Ambos, em breves palavras, discutem as relações de dependência em que o Brasil e a América Latina inserem-se nos mercados globais: o primeiro, Aníbal Quijano, retrata aspectos históricos da constituição do povo latino-americano por uma categoria que chamou "colonialidade"; o segundo, Martins, problematiza as novas desigualdades sociais advindas da lógica excludente do mercado global, a difícil re-inserção no mercado de trabalho e a chamada "mercantilização dos imaginários", isto é, as esferas do consumo atuando como delimitadoras das subjetividades.

AS REDEFINIÇÕES NO PAPEL DO ESTADO E A EDUCAÇÃO
O processo de transformação das sociedades industriais modernas e o conseqüente processo de aprofundamento da dependência econômica nos países em desenvolvimento, em suas diferenciadas nuances, representou, a priori, em nível teórico, algumas ressignificações nas teorias sociais (BOBBIO, 1987) e, a posteriori, nos âmbitos políticos, algumas redefinições no papel do Estado, sobretudo em uma de suas facetas mais representativas: as políticas sociais5 (VIEIRA, 2000). Evidentemente, o plano teórico e o plano político entrecruzam-se e interferem-se concomitantemente, contudo, enquanto análise, consideramos válido tal delineamento. Assim sendo, as relações Estado - Sociedade, permanentemente em movimento, foram compondo novos acordos políticos e delimitando, por sua vez, as políticas e os direitos sociais6. Segundo Peroni (2003), os anos de 1990 denotaram um novo panorama nestas relações, onde ocorreram rupturas com os direitos trabalhistas e desmantelaram-se suas garantias, onde a crise do capitalismo atenuou e novas tensões aprofundaram-se devido à rapidez dos processos de desigualdade social. São os tempos da globalização, da reestruturação produtiva e do neoliberalismo. Afonso (2003) assinala que os anos de 1990 foram marcados pela emergência de uma nova direita neoliberal e neoconservadora, a qual situa o Estado em territórios paradoxais: ao mesmo tempo em que seja limitado (mínimo), seja forte (centralizador). Superar, então, esta crise do capitalismo passaria por duas iniciativas: a racionalização dos recursos e o esvaziamento do poder político das instituições governamentais. Aprofundando a reflexão, significaria sinalizar a passagem de um Estado de Bem-Estar Social a um modelo "mercantilizador" (BALL, 2004).

Este modelo de mercado significou a adesão a modelos de gestão empresariais que não somente produziram uma reengenharia do setor público – reformado por princípios de competição, mercantilização e privatização (BALL, 2001), mas, de fato, encaminharam a "quase-mercados" (AFONSO, 2003). Estes significaram a presença de elementos de mercado dentro da organização do Estado ou uma hibridização público-privado e, conseqüentemente, mudando a conotação das políticas sociais uma vez que se vê a abertura a outros provedores não-estatais e, com isso, produziu-se um conceito de cidadania adjetivada – o "cidadão cliente". De tal forma:
Na proposta de reforma do Estado, o cidadão é adjetivado, é o cidadãocliente, o que, portanto, de acordo com as leis de mercado, não inclui todos os cidadãos, pois os clientes dos serviços do Estado serão apenas os contemplados pelo núcleo estratégico e por atividades exclusivas. (PERONI, 2003, p.60)
No que se refere às políticas educacionais, tais redefinições no papel do Estado foram tratadas de maneira bastante particular, o que representou "uma crescente colonização da política educacional pelos imperativos do mercado" (BALL, 2001, p.126), ocasionando na legitimação e distribuição de discursos economicistas referendados por instâncias de regulação supranacionais
(AFONSO, 2001), como o Banco Mundial, por exemplo. Tais organismos elaboraram uma agenda educacional padronizada – "isomorfismo educacional" (AFONSO, 2003, p.41), significando a transposição de políticas educacionais de um local para outro, tal qual "soluções mágicas" (BALL, 2001, p.125). Neste ideário, o Estado faz-se avaliador enfatizando desempenhos, produtividade e resultados.
A América Latina tem sido um campo fértil aos projetos financiados pelos organismos multilaterais, os quais acabam por exigir como contrapartida alterações em normatizações, entendimentos e propostas de educação. São exemplos disto, as políticas de avaliação conhecidas como "provão", exames que objetivam medir a performance das instituições básicas e superiores e contingenciam, mediante bons resultados, seus recursos e financiamentos. São ecos do ideário globalizador nas políticas sociais e da educação.

EDUCAÇÃO COMO MERCADORIA
Segundo Stephen Ball (2001), a Organização Mundial do Comércio (OMC) tem visto a educação como um mercado a ser explorado, sobretudo em tempos de depreciação da educação pública, discursos estes recorrentes na América Latina. Entretanto, se pensamos estas questões a partir das problematizações de Martha Nélida Ruiz, poderíamos constatar que educação assume características daquilo que a autora chamaria de "la gula posmoderna" (RUÍZ, 2006), isto é, enraíza-se na cultura como bem de consumo, mensurável, com determinações quantitativas e qualitativas capazes de conformar subjetividades. Este hiperconsumo, referido por Ruiz, refere-se não somente a bens materiais, mas se trata do consumo de representações simbólicas dos quais a escolarização e a formação acadêmica seriam exemplos claros. De certo modo, as últimas décadas têm nos mostrado que os avanços tecnológicos condicionam acessos e desejos por escolarização, formação de nível superior, como elementos indispensáveis ao ingresso no mercado de trabalho. O escrito de Martha Ruiz é preciso:
La educación continua es el futuro de la universidad’. La licenciatura no basta. En realidad nunca ha bastado. Si tu papá no necesitó hacer una maestria es porque eran otros tiempos, la problemática social era mucho más sencilla de estudiar y de intervenir, la competencia era casi nula, heredó el despacho de tu abuelo, con clientes y todo... (RUÍZ, 2006, p. 56)
Tal perspectiva faz com que o jovem perceba sua vida como uma trajetória escolar infindável, ou seja, inicia-se na educação infantil e ver-se-á perturbado a prosseguir seus estudos pelo Ensino Fundamental até os altos e seletos níveis da pós-graduação. Subjetivamente, criam-se ansiedades frente a carências de limites, potencializando um hiperconsumo de bens educativos (RUÍZ, 2006). Frente a estes hiper-realismos, há ainda alternativas? Encaminhando ao tópico seguinte, ousaríamos refletir sobre uma resposta dada por Martha ao ser recentemente entrevistada (Melo, 2006). A autora, com simplicidade, afirmou que "es tiempo de volver a escuchar con nuestros propios oídos" (p.141), o que significa pensarmos, culturalmente, nos vastos campos de ação que se nos abrem ao não ouvirmos o canto da sereia – melodia sedutora do mercado e do consumo. O que remete a fazeres e pensares nos campos da cultura.

ÚLTIMAS PROVOCAÇÕES: NARRATIVAS DA CULTURA
Os contos são contados de noite, porque na noite vive o sagrado, e quem sabe contar conta sabendo que o nome é a coisa que o nome chama. (GALEANO, 2007, p.21)
Ao propormos uma reflexão sobre as políticas educacionais latino-americanas em tempos de globalização objetivávamos apresentar, num primeiro momento, o caráter múltiplo que as expressões "globalização" e "políticas educacionais" acabam por assumir ao variarmos seu local, seu tempo ou mesmo o referencial de análise e, num segundo momento, o que fazemos agora, compormos um viés de abordagem ao tema que, interessadamente, nos leve a dialogar com as narrativas da cultura. Em outras palavras, dizemos que política e globalização assumem significações diferenciadas em contextos distintos.
Ao pressupormos, com Canclini (2003), que a globalização é uma narrativa entendo que está situada em um campo cultural no qual co-existe e estabelece relações de complementaridade e inter-relação entre outras/todas as narrativas culturais. Esta premissa deforma a tese da inevitabilidade e dauniversalidade da globalização enquanto organizadora dos modos de vida contemporâneos. As diversas culturas narram a globalização, quer seja em seus efeitos circulares ou tangenciais (CANCLINI, 2003, p.9), transformando elementos objetificáveis em metáforas e narrações, criando novas culturas do trabalho, do investimento, do consumo, da comunicação, da publicidade e da educação. O que postula a falsa idéia de que há uma nova cultura global, sob recursos de emergência, quando, de fato, são os multíplices discursos que na interculturalidade narram vertigens e incertezas nestes pensares em tempo global. As teorias recentes têm se preocupado com estas brechas:

Devemos aceitar que existem múltiplas narrativas sobre o que significa globalizar-se, mas, sendo seu aspecto central a intensificação das interligações entre sociedades, não podemos observar a variedade dos relatos sem nos preocuparmos com a sua compatibilidade dentro de um saber relativamente universalizável. Isto pressupõe a discussão das teorias sociológicas e antropológicas que vêm sendo construídas para dar conta do que escapa às teorias e às políticas, que se oculta em suas brechas e insuficiências. (CANCLINI, 2003, p.11)
Apesar de termos apresentado alguns pontos comuns ao descrevermos as imagens da globalização, pensamos que há aspectos menos certeiros, menos precisos, capazes de evidenciar nuances cambiantes das culturas na interface, por um lado, com a globalização e, por outro, com as políticas da educação. Os espaços ocupados pelos movimentos sociais reivindicativos de participação popular na América Latina entre os anos de 1970 e 1990, mesmo que hoje tenham reduzido seu locus de atuação, representaram provocações de um poder democrático (MEJÍA, 1994) em meio às tempestades do mercado e de sua inevitabilidade. Neste sentido, a construção de novas formas de organização e representatividade, a nosso ver, não se tornaram incontestáveis, pelo contrário, são compostas por importantes contradições que por vezes as descaracteriza, como por exemplo: os conselhos gestores descaracterizam-se pelo desconhecimento dos conselheiros de suas atribuições (LOPES, 2003).
Por isso vemos a cultura, na acepção de Canclini, como elemento catalisador de outros olhares para a educação e suas políticas nestes tempos de globalização capazes de provocar suspeita sobre o modo de efetivação destas políticas contemporaneamente. Entendo que por tal perspectiva abrimos um leque de entendimentos provisórios e locais para categorias que não podemos mais universalizar: cidadania, educação, política social, participação, ou seja, vimos e vivemos "modos não-convencionais de ser cidadão" (CANCLINI, 2003, p.180). Um dos locais em que visibiliza-se esta ruptura com as teorias modernas é o campo da cultura, que desloca olhares para a política social, para a economia e para a educação.

Se, como diz Canclini, são os poetas, os dramaturgos e os atores sujeitoscapazes de experimentar novos tempos e espaços nos eventos culturais, pensamos que as narrativas culturais em sua multiplicidade provocam outras ações, outras políticas e outras globalizações. Para concluir, usaremos um fragmento de Eduardo Galeano que, consoante às afirmativas deste escrito, mostra-nos que a cultura (literária, neste caso) é capaz de propor outras globalizações, não-imobilistas, que não somente desestabilizem as velhas verdades neoliberais, como revelem a existência de janelas sobre a utopia nos campos da cultura:
Ela está no horizonte – diz Fernando Birri. – Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar. (GALEANO, 2007, p.310)

3 Sobre perspectivas distintas em países latino-americanos, sobretudo a respeito de sua cultura política, ver sobre o Brasil (BAQUERO, 1999), sobre o Uruguai (SERNA, 1999) ou sobre a Argentina (ECHEGARAY, 1999).
4 Categoria teórica de Fernand Braudel (in IANNI, 2003).
5 Entendemos, neste ensaio, por política social o conceito de Evaldo Vieira (2000, p.31), qual seja: "[...]estrategia gubernamental de intervención em las relaciones sociales", plenamente identificado com o surgimento dos movimentos populares no século XIX.
6 Perspectivas teóricas distintas tratam desta questão, tais como: Vieira (2000), Baquero (1999), Diniz (1999) ou Wanderley (1999).

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
ACSELRAD, H. (org.) Meio Ambiente e Democracia. Rio de Janeiro: IBASE, 1992.
AFONSO, A. J. Reforma do estado e políticas educacionais: entre a crise do estado-nação e a emergência da regulação supranacional. Educação & Sociedade. V.22, nº 75. Campinas, ago. 2001. p. 15-32
_____. Estado, globalização e políticas educacionais: elementos para uma agenda de investigação. Revista Brasileira de Educação. nº 22. jan/abr 2003 p.35-46
BALL, S. J. Cidadania Global, Consumo e Política Educacional. In: SILVA, L. H. (org.) A Escola Cidadã no Contexto da Globalização. 5ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p.121-137
_____. Performatividade, privatização e o Pós-Estado de Bem-Estar. Educação & Sociedade. V.25, nº 89. Campinas, set/dez. 2004.
BAQUERO, M. (org.) Desafios da democratização na América Latina. Porto Alegre: Ed. UFRGS, La Salle, 1999.
BECK, U. La sociedad del riesgo; hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998.
SILVA, Rodrigo Manoel Dias da. Educação e políticas sociais: o contexto latino-americano em tempos de globalização. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v.2, n.3, 3º quadrimestre de 2007. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
BOURDIEU, P. Pierre Bourdieu entrevistado por Maria Andréa Loyola. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999.
____.; WACQUANT, L. Sobre as artimanhas da razão imperialista. Estudos Afro-Asiáticos. Rio de janeiro, Vol. 24, Nº1, 2002.
CANCLINI, N. G. A Globalização Imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003.
DINIZ, E. Globalização, democracia e reforma do Estado: paradoxos e alternativas analíticas. In: RICO, E. M.; RAICHELIS, R. (orgs.) Gestão Social: uma questão em debate. São Paulo: EDUC:IEE, 1999 p.91-104
ECHEGARAY, F. Tolerando o aperto: a dinâmica da opinião pública perante a reforma econômica na Argentina 1989-1996. In: BAQUERO, M. (org.) Desafios da democratização na América Latina. Porto Alegre: Ed. UFRGS, La Salle, 1999.
GALEANO, E. As Palavras Andantes. 5 ed. Porto Alegre: L&PM, 2007.
GIDDENS, A. Mundo em descontrole. São Paulo: Record, 2000.
IANNI, O. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
LOPES, J. R. Administração Pública, Estado e Políticas Públicas: um ensaio sobre o princípio de gestão e a construção da esfera pública. Revista Ciências Humanas, V. 9, N°2, Jul/Dez 2003, p. 93-99.
MARTINS, A. M. Autonomia da escola: a (ex) tensão do tema nas políticas públicas. São Paulo: Cortez, 2002.
MARTINS, J. S. Exclusão social e a nova desigualdade. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2003.
MEJÍA, M. R. Educação e Política: Fundamentos para uma nova agenda Latinoamericana. In: GARCIA, P. B. et al. O Pêndulo das Ideologias: a Educação Popular e o Desafio da Pós-modernidade. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. p.89-104
MELO, J. L. B. Es tiempo de volver a escuchar com nuestros propios oídos – Entrevista com Martha Nélida Ruiz. Revista Ciências Sociais Unisinos. V. 42, N° 2, Maio/Agosto 2006 p. 137-143
PERONI, V. Política educacional e papel do Estado: no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2003.
QUIJANO, A. Dom Quixote e os Moinhos de Vento na América Latina. Estudos Avançados N° 19 (55), 2005. p.8-31
SILVA, Rodrigo Manoel Dias da. Educação e políticas sociais: o contexto latino-americano em tempos de globalização. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v.2, n.3, 3º quadrimestre de 2007. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791
______. Os Fantasmas da América Latina. In: NOVAES, A. (org.). Oito visões da América Latina. São Paulo: Ed. SENAC, 2006. p.49-85
RUÍZ, M. N. El Espejo Intoxicado. Barcelona: Octaedro, 2006.
SERNA, M. Rupturas e fissuras na cultura política democrática uruguaia. In: BAQUERO, M. (org.) Desafios da democratização na América Latina. Porto Alegre: Ed. UFRGS, La Salle, 1999.
VIEIRA, E. Política social, política econômica y método. In: BORGIANNI, E.; MONTAÑO, C. (orgs.) La Politica Social Hoy. São Paulo: Cortez, 2000.
WANDERLEY, L. E. Desafios da sociedade civil brasileira em seu relacionamento com o Estado e o mercado. RICO, E. M.; RAICHELIS, R. (orgs.) Gestão Social: uma questão em debate. São Paulo: EDUC:IEE, 1999 p.105-130
Dados Tecnicos:

SILVA, Rodrigo Manoel Dias da. Educação e políticas sociais: o contexto latino-americano em tempos de globalização. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v.2, n.3, 3º quadrimestre de 2007. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791
Rodrigo Manoel Dias da Silva é Professor de Ensino Superior e Pós-Gradauação.
(Doutorando em Políticas Públicas)
Contato para cursos e palestras (e-mail): rodrigo_ddsilva@yahoo.com.br